‘Graves inconstitucionalidades’: Ministério da Justiça emite parecer contra PL que enfraquece governo no combate às facções criminosas
O Ministério da Justiça emitiu um parecer contrário ao projeto de lei que favorece os estados no combate transnacional de facções criminosas. O PL foi aprovado na quinta-feira (12) pela Câmara dos Deputados e vai ao Senado.
“O projeto apresenta graves inconstitucionalidades; não leva em conta a autonomia do Ministério Público, titular da ação penal”, diz o texto ao qual o portal teve acesso.
O parecer, emitido por meio da Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos do ministério, ao se posicionar contra o PL, afirma que “quase todos os Estados do Brasil estão com efetivo policial bem abaixo do número de vagas” e que “a falta de regras para competência pode levar à nulidade dos atos”.
A Pasta ainda cita preocupação de haver conflitos entre o Ministério Público Federal e os MPs estaduais.
A posição do Ministério da Justiça foi encaminhada aos deputados antes da votação na Câmara.
O projeto de lei, votado durante a semana em que a Câmara se dedicou a projetos de segurança pública, foi apresentado dois dias antes de o governo fazer uma reunião com governadores no Palácio do Planalto para apresentar a PEC da Segurança, que tem por objetivo empoderar a União no combate ao crime organizado.
Atualmente, o governo federal é responsável por ações de defesa nacional (Forças Armadas), enquanto a maior parte das atribuições de segurança cabe aos governos estaduais com suas polícias civis e militares.
A PEC do governo quer aumentar essa participação. A intenção do governo é integrar as polícias, reforçar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e aumentar as responsabilidades da União.
Já o texto do PL que foi aprovado tem como objetivo criar uma “Associação Interfederativa para a Cooperação no Enfrentamento ao Crime Organizado Transnacional”, o que coloca na mão dos estados as decisões do órgão.
Associação interfederativa
A associação que o projeto de lei quer criar prevê que as decisões do órgão sejam tomadas por três quintos dos votos dos membros do órgão colegiado, considerada a seguinte ponderação de votos: 49% atribuídos à União e 51% divididos entre os Estados e o Distrito Federal.
O texto provocou protestos de parlamentares governistas. Para a deputada Adriana Accorsi (PT-GO), a proposta tem ideias inteligentes, mas subverte a ordem federativa do Brasil.
“Como podemos aprovar que, no combate ao crime organizado internacional, Governos Estaduais e Municipais tenham força, poder de decisão maior que o Governo Federal?”, questionou.
O deputado Alencar Santana (PT-SP) afirmou o texto “usurpa poderes”.
“Essa proposta é uma proposta estrutural, mas não dá para aprová-la de maneira rápida. Ela usurpa poderes, competências e mexe no Pacto Federativo, Alencar Santana Braga (PT-SP).
Deputados da oposição, que apoiaram o texto relatado pela deputada Bia Kicis (PL-DF), acusaram os governistas de fazer uma “cortina de fumaça” em torno do tema.
“Aqui, está a verdadeira PEC da Segurança Pública. Agora, nós entendemos essa cortina de fumaça que a Esquerda fica fazendo, por quê? Porque não quer ver, na cadeia, verdadeiramente, criminosos internacionais. Nós vamos poder, agora, se o crime for cometido na Bolívia, vem para o Brasil; no Brasil, saindo para outros países, e, principalmente, dentro do Brasil”, afirmou o deputado Coronel Meira (PL-PE).
Excludente de ilicitudes
A proposta cria a Regra de Isenção de Providência Antecipada (Ripa), que na prática estabelece excludentes de ilicitudes para agentes infiltrados no combate a facções criminosas.
A redação da proposta, no entanto, foi considerada “muito aberta” por governistas, o que pode permitir que agentes cometam qualquer crime durante as operações e se livrem da justiça.
Pelo texto, não comete crime o agente público que não comunica, de imediato, a prática de crime ou contravenção de que tome conhecimento. Isso, poderia ser permitido, pelo texto, para qualquer crime.
Segundo o Ministério da Justiça, a proposta viola o Pacto Federativo e o princípio da legalidade ao prever que os agentes de segurança pública possam cometer qualquer tipo de conduta ilícita em função da operação.
“A proposta tem o potencial de legalizar a arbitrariedade na atuação destes agentes, tendo em vista as demais disposições que protegem com sigilo as informações destas operações”, diz a Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos do órgão.