Janones pagou R$ 135 mil a empresa de ex-assessor investigado por lavagem

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André Janones. Foto: Reprodução

Por Tácio Lorran

O deputado federal André Janones (Avante-MG) paga R$ 15 mil mensais, via cota parlamentar, a uma empresa de consultoria cujo dono foi investigado por lavagem de dinheiro. No total, o congressista já destinou R$ 135 mil para a companhia, que oferece um serviço feito gratuitamente pela Câmara dos Deputados.

Trata-se da DMD Consultoria, do empresário Marcos Alessandro Machado Cleto, também conhecido como Marcos Piu, de 56 anos.

Além de Janones, a empresa presta ou prestou serviço para outros 12 deputados – 10 deles integram a atual legislatura. Desde 2015, a DMD Consultoria ganhou R$ 4,579 milhões em cota parlamentar, o equivalente a R$ 638,9 mil por ano.

Confira, a seguir, o valor destinado pelos congressistas à DMD Consultoria:

Esses dados constam na transparência da Câmara dos Deputados e foram coletados pelo site Metrópoles.

Procurado pela reportagem, Janones afirmou não ter o hábito de investigar os donos das empresas que contrata e se recusou a apresentar documentos que comprovassem o serviço prestado. “Que poder você tem para solicitar alguma coisa?”, disse.

Osires Damaso (PSC-TO), Marcelo Ramos (PSD-AM) e Franco Cartafina (PP-MG) confirmaram a consultoria, e os dois últimos enviaram arquivos do trabalho produzido. Os outros seis deputados da atual legislatura não se manifestaram.

Marcos Piu negou irregularidades e destacou que nem mesmo conhece pessoalmente os deputados para os quais trabalha hoje.

Lavagem

O dono da DMD trabalhou na Câmara por mais de seis anos. Ele começou como secretário parlamentar do deputado Aelton Freitas (PP-MG), entre 2004 e 2007. Na sequência, passou a atuar em um cargo de confiança na liderança do PR, atual PL e ex-partido de Aelton, sigla na qual permaneceu até julho de 2013.

A saída de Marcos Piu ocorreu menos de sete meses depois de a Polícia Federal (PF) instaurar um inquérito para investigar suposta lavagem de dinheiro por parte do funcionário. O esquema teria como beneficiário o deputado Aelton Freitas.

Em um ano (entre janeiro de 2010 e fevereiro de 2011), uma conta de titularidade de Marcos Piu e da esposa dele movimentou mais de R$ 1,931 milhão. O valor foi considerado incompatível com os patrimônios, as atividades econômicas ou as ocupações profissionais e capacidades financeiras do casal.

Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também indicou que a conta acolheu depósitos mediante “numerosas entregas com montante total expressivo”.

A investigação chegou a ser arquivada em setembro de 2018, sem que houvesse a conclusão do inquérito. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, no entanto, desarquivou o processo em agosto de 2019, após a então procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, apontar a existência de novos elementos probatórios.

O caso está hoje em sigilo na Justiça Federal do Distrito Federal (JFDF).

“Os documentos técnicos esclarecem o emaranhado de operações financeiras feitas entre pessoas físicas e jurídicas (de algum modo) vinculadas com Aelton José de Freitas (inclusive favorecidos com cotas parlamentares), as quais demonstram que o ex-congressista valia-se de interpostas pessoas (assessores, familiares, amigos) para ocultar as reais origens e destinações dos valores movimentados”, detalhou a PGR. O portal teve acesso a trechos do processo.

Na delegacia, Marcos Piu disse que se tornou sócio da DMD Consultoria em 2013.

O trabalho de consultoria prestado aos parlamentares federais começa em 2015. Aelton Freitas pagou, até 2017, R$ 112,5 mil para a empresa do ex-funcionário.

Aliado de Aelton, Vicentinho Júnior (PP-TO) é o deputado que mais destinou cota parlamentar para a DMD Consultoria: R$ 2,002 milhões. Em seguida, com R$ 795 mil, está Osires Damaso, também do Tocantins – estado para o qual concorre ao cargo de governador nas eleições deste ano.

“Não conheço nenhum”

O site Metrópoles conversou com Marcos Piu na quarta-feira (31/8). Ele afirmou não ter sido notificado oficialmente sobre a reabertura do inquérito, mas negou irregularidades.

“Quando eu quis me desligar do poder público, eu fazia esse mesmo serviço, mas de outra forma. Então eu decidi profissionalizar. Tenho uma empresa técnica, pago uma plataforma”, detalha o empresário.

A DMD, segundo ele, emprega hoje seis funcionários.

“Bolei uma plataforma na qual faço uma radiografia dos municípios, e alguns parlamentares me contrataram para tomar conta da base deles. A gente elabora relatórios. Vemos como está a liberação de emenda, o que inclui identificar a prefeitura apta a assinar os convênios”, prossegue.

Sobre os parlamentares que atualmente contratam sua companhia, Marcos Piu assegura: “Não conheço nenhum”.

Em relação a Janones, o empresário ressaltou: “Nunca estive nem conversei com ele direito”. Marcos Piu frisou que um “amigo” indicou ao deputado mineiro os serviços prestados pela empresa DMD Consultoria. Ele alegou, contudo, não se lembrar qual amigo seria esse.

O que dizem os deputados

Por sua vez, Janones afirmou não ter o hábito de investigar quem são os donos de empresas que prestam serviço para o mandato dele. “Isso não é da minha competência”, pontuou o deputado.

“O que cabe a mim atestar é que a referida empresa presta serviço de consultoria legal e regularmente para o meu mandato, obedecendo a todos os critérios técnicos e legais, e que tais serviços podem ser comprovados em meu gabinete, para qualquer um do povo (que é quem paga o meu salário e a quem devo satisfação)”, assegurou o parlamentar.

Questionado se poderia receber a reportagem em seu gabinete, para que os serviços fossem constatados, Janones declarou: “Você não é povo. Você é funcionário do Luiz Estevão, cara. Entendeu a diferença?”.

O site Metrópoles também pediu documentos que atestam a realização do serviço. “‘Você’ solicita? Que poder você tem para solicitar alguma coisa?”, respondeu o parlamentar.

Demandados, os deputados Aelton Freitas e Vicentinho Júnior não se manifestaram.

Os parlamentares Igor Kannário (União-BA), Júnior Mano (PL-CE), Dr. Agripino Magalhães (União-CE) e Vaidon Oliveira (União-CE), que tiveram mandato na atual legislatura, foram procurados por meio de aplicativo de mensagens, rede social ou gabinetes, mas também não prestaram esclarecimentos sobre os gastos.

O deputado federal Marcelo Ramos pontuou que não tem contato contínuo com Marcos Piu e que apenas pactuou acordos pontuais para serviços técnico-jurídicos, dentro dos limites estabelecidos pela lei.

O trabalho foi realizado nos seguintes oito meses, nos anos de 2019 e 2020, e, segundo o parlamentar, incluiu a realização de consultorias prestadas junto aos municípios na relação com o governo federal.

“Na prática, os serviços tiveram como resultado a produção de relatórios acerca da situação e das necessidades dos municípios do interior do Amazonas e o que os ministérios teriam à disposição das prefeituras para investimento, acompanhamento de convênios em andamento, destravamento de recursos pendentes com a devida correção de procedimentos, propostas aos programas governamentais, pendências administrativas, abertura de programas específicos a cada um destes municípios, acompanhamento do cadastro a tais programas e anuências com as obrigações fiscais e institucionais”, assegurou, ao enviar uma série de arquivos em anexo.

O deputado Franco Cartafina (PP-MG) assegurou não ter problema algum em apresentar a prestação de serviço. Ele compartilhou com a reportagem um dos relatórios que teria sido feito pela DMD.

“A DMD foi contratada para fornecer auxílio às questões de acompanhamento da execução de políticas públicas discricionárias com recursos da União, uma vez que o volume de municípios assistidos pelo mandato aumentou muito após as eleições municipais de 2020. Sendo-nos fornecidos, em formato digital, os seguintes relatórios sobre cidades chaves para a minha atuação política”, explicou o parlamentar.

Já Osires Damaso se limitou a informar que a contratação da empresa DMD Consultoria aconteceu dentro do devido processo legal e atende a todos os requisitos de prestação de contas estabelecidos pela legislação em vigência.

“Desconheço qualquer operação de investigação sobre estes contratos”, disse o congressista, que não enviou arquivos que comprovam o serviço.

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