Líder de grupo de PMs agiotas matou motorista de Uber em briga, diz MP

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Walter Gomes de Azevedo. foto: reprodução

por Thalys Alcântara

O motorista de aplicativo Walter Gomes de Azevedo, de 38 anos, dirigia pela movimentada Avenida Filemon Gomes, bem perto da Praia da Leste, em Fortaleza (CE), quando foi mudar de pista e acabou batendo em uma motocicleta com um casal.

Imediatamente, Walter (foto em destaque) desceu do veículo para prestar socorro, mas ele mal imaginava que o piloto da moto era um policial militar em horário de folga, apontado como líder de uma organização criminosa suspeita de agiotagem, venda ilegal de armas, tráfico de drogas e execuções.

Houve uma rápida discussão entre o motorista e o casal que caiu da moto, uma Honda XRE, mas todos estavam bem e a situação parecia ter sido resolvida. Walter voltou para o seu veículo, um Onix prata, e seguiu dirigindo. No entanto, poucos metros adiante foi surpreendido novamente pelo casal na moto.

O motociclista se aproximou do lado do motorista e deu cerca de cinco tiros na direção de Walter, que foi atingido no tórax e morreu na hora. Ele deixou os pais, a esposa e três filhos, sendo o mais novo com 3 anos na época.

Além de motorista, Walter trabalhava como padeiro e servente. Filho único, era descrito por familiares como calmo e trabalhador. Morreu ainda preso ao cinto de segurança, sem chance de reação.

Foto colorida de motorista de aplicativo assassinado pela PM no Ceará - Metrópoles
motorista de aplicativo assassinado pela PM no Ceará
Foto colorida de motorista de aplicativo assassinado pela PM no Ceará - Metrópoles
motorista de aplicativo assassinado pela PM no Ceará

O assassinato por motivo banal aconteceu em plena luz do dia, na frente de testemunhas e câmeras, na manhã do dia 19 de setembro de 2018, mas a possível resolução do caso só veio à tona agora, mais de cinco anos depois.

Segundo investigações do Ministério Público, o homem na motocicleta que matou o motorista de aplicativo era o então soldado José Otaviano Silva Xavier, hoje cabo Xavier, também conhecido como Blade, preso no último dia 14 de novembro acusado de liderar um grupo criminoso formado por policiais e um guarda municipal.

Investigação lenta

Quando policiais civis e peritos chegaram à cena do crime, o local já tinha sido vasculhado por três policiais militares fardados, segundo relatório anexado no inquérito. O carro de Walter foi revistado pelos PMs com ele morto no banco do motorista. Os militares também recolheram o celular e a identidade do motorista antes de a perícia chegar.

Um outro relatório, da Coordenadoria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Ceará, já apontava o cabo Xavier como autor do homicídio. Esse documento foi emitido em novembro de 2018, dois meses após o crime. Mesmo assim, a investigação da Polícia Civil foi lenta, o inquérito não foi finalizado e até hoje o PM não é réu pelo assassinato.

Imagem preto e branco com detalhe amarelo de documento da Secretaria de Segurança do Ceará

Para se ter uma ideia, a esposa do policial, que estaria na garupa da moto no momento do crime, só foi ser ouvida pelos invetigadores em junho de 2021, quase três anos depois da morte de Walter. Ela negou que fosse a mulher na motocicleta.

Além do relatório de inteligência, denúncias anônimas foram protocoladas na Polícia Civil indicando Xavier como o autor dos disparos.

Operação Interitus

Em paralelo a isso, o Ministério Público tocava uma investigação mais ampla, que acabou apurando o homicídio do motorista do Uber, mas era focada em outros crimes atribuídos ao grupo criminoso liderado por Blade. Foi essa investigação mais ampla que levou à deflagração de uma operação batizada de Interitus e à prisão do militar neste mês.

Foto colorida de policial preso em operação do Ministério Público do Ceará - Metrópoles
Cabo Xavier, conhecido como Blade, teria matado motorista de Uber

Câmeras de monitoramento captaram os instantes antes do assassinato de Walter, mas sem ser possível identificar a placa da motocicleta. O autor dos disparos e a mulher na garupa estavam de capacete. As imagens foram divulgadas em sites de notícias e em telejornais locais.

No entanto, um relatório da Coordenadoria de Inteligência da Secretaria de Segurança revelou que a moto e a roupa usadas pelo piloto eram iguais às exibidas nas redes sociais pelo militar. Depois do depoimento da esposa dele, o cabo da PM deletou as fotos, segundo o Ministério Público.

Montagem fotos coloridas motocicleta PM - Metrópoles
Inteligência da polícia viu relação entre autor de disparos e PM

“Eu merecia pagar”

Durante as investigações sobre a suposta organização criminosa de Blade, o Ministério Público identificou grupos de WhatsApp que seriam usados para combinar execuções de suspeitos, venda ilegal de armas e outros crimes. No aplicativo, cabo Xavier comenta as execuções que já cometeu e diz se arrepender apenas de uma, que “deu vacilo” e “agiu na emoção”. Para o Ministério Público, esse “vacilo” foi o assassinato de Walter em 2018.

“Eu acho que eu merecia um castigo por causa do que aconteceu. Dos outros não, dos vagabundos eu não tenho remorso, mas de uma pessoa, tu sabe, né, que eu não gosto nem de falar. Então, eu acho que eu merecia pagar, tinha que ter alguma coisa, algum castigo, e Deus me castigou. Agora é bola pra frente”, afirmou o militar em uma gravação.

Veja grupos investigados:

Montagem de grupo de WhatsApp - Metrópoles

Montagem de grupo de WhatsApp - Metrópoles

Montagem de grupo de WhatsApp - Metrópoles

Montagem colorida de grupo de WhatsApp - Metrópoles

Em outro áudio, segundo o MP, cabo Xavier volta a relatar o homicídio de Walter e lembra que foi feita uma perícia na arma dele do Batalhão da Polícia, que deu resultado negativo ao ser comparada com o projétil que matou a vítima. “Eu não tenho arma particular no meu nome”, afirmou na gravação. As investigações apontam que o grupo de Blade vendia “cabritos”, armas ilegais com numeração raspada.

Resposta do estado

A reportagem do Metrópoles entrou em contato com a defesa de José Otaviano Silva Xavier e aguarda um retorno. O espaço segue aberto.

Em nota, o Ministério Público informou que o Judiciário já aprovou o compartilhamento de provas da investigação da Operação Interitus para apuração de outros fatos relacionados ao mesmo grupo de agentes investigados, entre eles o caso do homicídio de Walter. A Interitus foi feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco). Já o inquérito do assassinato de Walter tramita na área de crimes intencionais contra a vida.

Questionada pela reportagem sobre a demora do inquérito, a Secretaria de Segurança Pública do Ceará repassou a demanda para a Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública. Depois que um policial se tornou alvo da investigação, o inquérito saiu do Departamento de Homicídios e foi parar na Delegacia de Assuntos Internos (DAI).

Em nota, a Controladoria-Geral, da qual a DAI faz parte, informou que cooperou com a investigação do Gaeco que levou à prisão do cabo Xavier e que os inquéritos de homicídio relacionados ao caso seguem para finalização. “Detalhes do trabalho investigativo serão divulgados no momento oportuno”, diz trecho do comunicado.

Além disso, o órgão da Segurança Pública do Ceará disse que dá continuidade à apuração na esfera administrativa sobre irregularidades das situações envolvendo os policiais militares investigados.

Também em nota, a Polícia Militar do Ceará disse que repudia quaisquer atos de seus membros que vão de encontro aos preceitos e a moral da corporação. Além disso, informou que os procedimentos investigatórios sobre o caso estão sendo produzidos pelo Ministério Público.

Sobre a presença dos policiais militares no local da morte de Walter, a PM apenas pontuou que realiza o isolamento de locais de crime e acionamento dos órgãos competentes de perícia forense.

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