Mesmo com a diplomacia, as armas terão a palavra final na Ucrânia

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Soldado ucraniano dirige-se ao front na cidade de Irpin, norte da Ucrânia, em 12 de março de 2022. © Aris Messinis

As primeiras discussões de alto nível entre Rússia e Ucrânia na Turquia reviveram uma esperança fugaz de uma solução negociada, mas analistas consultados pela AFP consideram que as armas terão a última palavra na resolução do conflito.

Organizadas pelo ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Cavusoglu, as duas horas de negociação na quinta-feira entre os chefes diplomáticos da Rússia e da Ucrânia, Serguei Lavrov e Dmytro Kuleba, terminaram sem progresso além da vontade de ambos de continuar o diálogo.

Manifestante exibe cartaz pedindo a demissão do presidente russo, Vladimir Putin, em um protesto em Nantes, França, contra a invasão da Ucrânia, em 12 de março de 2022
Manifestante exibe cartaz pedindo a demissão do presidente russo, Vladimir Putin, em um protesto em Nantes, França, contra a invasão da Ucrânia, em 12 de março de 2022

Ninguém esperava um “milagre”, mas “é necessário começar”, disse o ministro turco em Antália, citando a perspectiva de uma cúpula presidencial entre o russo Vladimir Putin e o ucraniano Volodimir Zelensky.

Neste sábado (12), o Zelensky destacou uma mudança de “abordagem” da Rússia nas últimas negociações e assegurou que Moscou não se limitava mais a “dar ultimatos”.

De fato, disse sentir-se “feliz de receber um sinal da Rússia” depois que o líder russo afirmou ter visto “passos positivos” nas negociações.

Em visita à Romênia na véspera, a vice-presidente americana, Kamala Harris, lamentou que o presidente russo “não mostre nenhum sinal de se implicar em uma diplomacia séria”.

Após duas semanas de guerra sem Moscou ter traduzido sua superioridade militar em uma vantagem significativa, “nem Rússia, nem Ucrânia estão atualmente prontas para um compromisso”, disse à AFP Oleg Ignatov, analista da Rússia da empresa International Crisis Group.

“Ambos os campos veem o cenário militar como o palco principal: a Ucrânia não está perdendo a guerra e a Rússia não está vencendo”, resumiu. “Nesta situação, os combates vão continuar” e “tudo vai depender do que acontecer no terreno”, previu.

Em um contexto em que até a abertura de corredores humanitários causa polêmica, “é difícil discutir uma resolução do conflito, seja ele qual for, nem mesmo um cessar-fogo”, disse Natia Seskuria, pesquisadora georgiana do Royal United Services Institute de Londres.

“Nesta situação, a Rússia tenta alcançar seus objetivos máximos na Ucrânia e se conseguir forçar os ucranianos a aceitarem seus termos na mesa de negociações, obterá o que quer. Mas de outra forma, a guerra vai continuar”, opinou.

– “Excluir os Ocidentais” –

“Há muita mitologia sobre a diplomacia, mas a diplomacia nunca é uma alternativa ao equilíbrio de forças”, disse Michel Duclos, ex-embaixador francês na Síria.

Moscou mostra “uma concepção de diplomacia que consiste em fazer o outro ceder e isso é uma diplomacia de ultimato”, afirma. “Estamos numa fase em que os russos dão uma pá de cal e outra de areia, mas continuam no enfoque do ultimato”, afirmou.

Do ponto de vista russo, negociações como as que aconteceram em Antália buscam “atingir o moral dos ucranianos, criar um pouco de confusão para o mundo e para os ucranianos ao mesmo tempo”, avaliou o ex-diplomata.

Para Natia Seskuria, a Rússia, cujo ministro das Relações Exteriores garantiu em Antália que não atacou a Ucrânia, também está tentando convencer a opinião pública de que não há alternativas ao uso da força.

“A Rússia procura um pretexto para poder dizer que tentou a diplomacia, mas que a diplomacia falhou porque a Ucrânia rejeitou as suas exigências” e “justifica assim futuras ações militares”, avaliou o especialista.

Mesmo assim, esse tipo de reunião permite que ambas as partes calibrem suas forças, ressaltou Oleg Ignatov. “A Ucrânia espera poder parar a operação militar russa por meios diplomáticos”, enquanto a Rússia “quer entender qual é a posição ucraniana”.

Eles cumprem uma “função de teste”, concordou Michel Duclos. Aos olhos de Moscou, essa fórmula teria “a vantagem de dar a impressão de que há um processo de paz e excluir os ocidentais”, completou.

Inclusive é factível que Moscou instaure um formato de negociações comparável ao processo de Astana concebido para a Síria, que reunia Rússia, Irã e Turquia, três potências implicadas de forma mais ou menos direta no conflito, explicou o ex-embaixador francês.

Aos olhos de Moscou, esta fórmula teria “a vantagem de dar a impressão de que há um processo de mais e, além disso, excluiria os ocidentais”, opinou.

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