Ministra Macaé toma posse e critica capitalismo e visão de que direitos humanos são para defender bandido
A nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, tomou posse oficialmente na sexta-feira (27) e afirmou que uma de suas funções é reverter a concepção de parte da sociedade de que “direitos humanos são coisa de bandido”.
Macaé Evaristo (PT) também afirmou que o ministério que assume “está de pé” e “está vivo”, em meio à tumultuosa troca de comando.
A cerimônia de posse aconteceu no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Lula (PT) e da primeira-dama, Janja. Também houve grande participação das ministras mulheres do governo.
Uma das presentes era Anielle Franco, da Igualdade Racial, que seria uma das vítimas de assédio sexual no caso que levou à demissão do antigo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Anielle chorou ao cumprimentar a nova ministra.
“Tomo posse como ministra sem perder de vista que a minha maior credencial é ser uma pessoa absolutamente comum, mulher, preta, professora e assistente social”, afirmou.
“Infelizmente, na nossa sociedade brasileira, muita gente tem concepção que direitos humanos é uma coisa de quem defende bandido. A gente tem um desafio fundamental para construir a ação destes ministérios. A gente precisa entender a tensão entre afirmação e negação dos direitos humanos.”
A ministra não fez em seu discurso menções a assédio sexual ou violência sexual contra mulheres, ações que resultaram na troca em seu ministério. Sem mencionar nenhum caso específico, Macaé disse na parte final que a pasta “está de pé”.
“E, para quem diz que este ministério tem desafios demais, eu respondo com Guimarães Rosa: Todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais, a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania está de pé! Está vivo!”, afirmou a ministra.
Macaé Evaristo ainda criticou o que descreveu como uma “nova investida do capitalismo”. “No cenário global, a gente enfrenta uma nova investida do capital que aposta na segregação social, racial e ambiental para legitimar a opressão e extermínio de milhões de pessoas comuns, como eu”, acrescentou.
Lula demitiu Silvio Almeida na noite do dia 6 de setembro após o surgimento de acusações de assédio sexual contra ele. A organização Me Too Brasil disse que recebeu os relatos e prestou auxílio às supostas vítimas.
Silvio Almeida vem negando as acusações. “Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país”, afirmou na ocasião.
“Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro”, disse.
Durante a cerimônia de posse, uma prima da nova ministra, a escritora Conceição Evaristo, declamou um poema de sua autoria. Ela leu “Vozes Mulheres”, que descreve o passado de escravidão de mulheres negras do passado, silenciadas, e avança para o que chama de “eco de liberdade” das novas gerações.
A nova ministra é deputada estadual do PT em Minas Gerais e tem um histórico de militância e atuação política voltada para a educação e o combate ao racismo e a desigualdades.
Não é a primeira vez que ela integra o governo federal. De 2013 a 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT), comandou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação.
Após Lula vencer a eleição contra Jair Bolsonaro (PL), em 2022, ela integrou a equipe de transição e chegou a ser cotada para voltar ao governo. Mas, eleita deputada estadual em Minas, decidiu assumir seu mandato.
Macaé Evaristo é ré em uma ação civil pública que aponta superfaturamento na aquisição de kits escolares na rede municipal de ensino de Belo Horizonte.
O processo trata da época em que a ministra foi secretária de Educação na cidade, na gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda (então no PSB). Ela ocupou o cargo de 2005 a 2012. A ministra afirma que não coube a ela comandar esse processo licitatório.
Macaé Evaristo cita ialorixá e Palmares em posse com referências da população negra
A nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, tomou posse oficialmente na sexta-feira (27) e fez um discurso na solenidade com várias referências da população negra. Na fala, ela disse entender que é a vocação da pasta cuidar da diversidade do país.
Macaé citou a ialorixá que a acompanha, Cármen Holanda, em nome de quem cumprimentou todas as autoridades religiosas de diferentes denominações. Ela também usou a palavra ubuntu, da filosofia africana, e que significa eu sou porque nós somos. Segundo a ministra, o termo deve ser entendido como humanidade para todos.
A ministra fez menção ao dia de Cosme e Damião, comemorado na quinta (26) e sexta (27). A celebração feita na quinta é pela Igreja Católica.
“Hoje é Dia de Cosme e Damião. Que essa alegria nos invada. O poder autoritário necessita de corpos tristes porque consegue dominá-la. A alegria das crianças, portanto, é resistência, porque ela não se rende”, disse.
Outra referência foi à revolução haitiana. No país do Caribe, uma rebelião de negros escravizados em 1791 deflagrou uma longa guerra racial e civil, que culminou na abolição da escravatura na região e na independência da ilha de Saint-Domingue, então a mais rica colônia francesa.
Segundo ela, durante muito tempo a ideia de direitos humanos foi inspirada pelas revoluções americana e francesa, oficializada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
“Para nós, do Sul Global, há a inspiração de uma das mais importantes revoluções, a haitiana, que fica esquecida. Ela foi a primeira, talvez a única, que, enfrentando justamente o exército francês, conjugou a luta anticolonial, racial e republicada”, disse.
No Brasil, a inspiração de busca de liberdade e direitos estaria no Quilombo de Palmares, considerado o maior das Américas e liderado por Zumbi e Dandara.
No início da cerimônia, ainda, a escritora Conceição Evaristo, fez a leitura de dois poemas de autoria dela. Evaristo foi eleita em fevereiro para a Academia Mineira de Letras, na cadeira número 40, já ocupada por Afonso Pena Júnior e por Maria José de Queiroz, morta em novembro de 2023.