Mpox se espalha na capital do Congo, ameaçando esforços globais para conter vírus
Mireille Efonge adoeceu há alguns meses, com febre e bolhas dolorosas na virilha. Ela ficou tão fraca que não conseguia se mover, então os vizinhos a levaram a um centro de saúde com paredes de plástico em Pakadjuma, uma comunidade lotada e pobre em Kinshasa, a capital do Congo.
Lá, uma enfermeira chamou uma ambulância para levá-la a um hospital. Logo, lesões surgiram em sua cabeça e no resto do corpo, cada uma uma protuberância dura de dor pulsante.
Finalmente, ela recebeu um diagnóstico: Mpox. “Eu nunca tinha ouvido falar disso”, diz Efonge.
Isso foi em agosto, quando o vírus mpox —intimamente relacionado à varíola— ainda era quase desconhecido em Kinshasa, uma cidade de 17 milhões de pessoas.
Alguns pesquisadores agora lembram-se desse tempo quase com nostalgia, porque talvez ainda fosse possível conter o vírus mpox e evitar um desastre.
Essa janela provavelmente se fechou, dizem eles.
A detecção de uma nova cepa de rápida propagação do vírus em uma remota cidade mineradora no leste do Congo levou a OMS (Organização Mundial da Saúde) a declarar o mpox uma emergência de saúde pública global em agosto. Desde então, sua disseminação só acelerou.
O vírus está se estabelecendo em campos lotados que abrigam milhões de congoleses deslocados, que vivem amontoados em abrigos precários com acesso limitado à água. E chegou às cidades do Congo, incluindo sua enorme e congestionada capital.
Os esforços tardios para controlar o mpox em Kinshasa —isolando pacientes e vacinando seus contatos— têm sido interrompidos e desordenados, muito aquém da velocidade de propagação e mudança do vírus.
A resposta do Congo à emergência tem sido sufocada pela burocracia; clínicos e outros envolvidos dizem em privado que seus líderes estão travados em disputas sobre o acesso a um influxo de fundos internacionais. O esforço tem sido complicado pelo vasto tamanho do país e pela infraestrutura fraca, além da fragilidade do sistema de saúde, cujos trabalhadores são mal e raramente pagos.
Uma campanha de vacinação muito divulgada está se desenrolando a um ritmo glacial. Centenas de milhares de vacinas estão em freezers, não utilizadas. Metade dos infectados são crianças, mas nenhuma criança foi vacinada.
Apenas uma fração dos casos de mpox é confirmada com análise laboratorial. Poucos contatos de pessoas doentes são rastreados. E em nenhum lugar o esforço é menos eficaz do que em Kinshasa, onde duas cepas do vírus agora estão se misturando dentro de uma população particularmente vulnerável.
Historicamente, o mpox tem sido uma doença rural no Congo, causando pequenos surtos esporádicos, infectando principalmente crianças em comunidades isoladas na densa floresta no centro e oeste do país.
A atual crise de saúde começou há um ano, quando pesquisadores identificaram uma nova cepa misteriosa do vírus mpox que parecia estar se espalhando através do sexo heterossexual em uma cidade mineradora no extremo leste do país. Eles a chamaram de Clado Ib para distingui-la da versão que era conhecida e estudada no Congo desde 1970, Clado Ia.
Desde então, o Clado Ib se espalhou para mais seis países africanos e apareceu em viajantes nos Estados Unidos, Canadá, Tailândia, Suécia e outros países.
No Congo, ajudou a elevar os casos de mpox a um recorde de 53 mil este ano, mais do que o triplo do número em 2023. Cerca de 1.250 pessoas morreram do vírus este ano.
Em Kinshasa, o Clado Ib, que se acredita ser mais contagioso, se enraizou em Pakadjuma, onde muitas mulheres ganham a vida vendendo sexo para clientes de toda a cidade.
A disseminação do vírus nos becos estreitos de Pakadjuma gerou uma resposta muito menos robusta do que para os surtos de mpox em outras partes do Congo. No entanto, representa uma ameaça significativa para as pessoas que vivem lá, para o resto do país e para o mundo além.
Pakadjuma, a apenas dez quilômetros dos reluzentes escritórios do Instituto Nacional de Saúde Pública, fica atrás de altos muros construídos para proteger uma linha ferroviária. Os muros escondem valas de esgoto a céu aberto, barracos de sucata e crianças brincando descalças em ruas lamacentas.
Casos da cepa endêmica foram relatados no bairro pela primeira vez no ano passado. Muitos moradores vêm e vão da província de Équateur, ao nordeste, onde o vírus circula há muito tempo. E agora a nova cepa também está em Pakadjuma.
“Quando analisamos os genomas, podemos ver que Pakadjuma é um ponto quente. É onde você vê ambos os clados circulando”, diz Placide Mbala, que chefia a divisão de epidemiologia do Instituto Nacional de Pesquisa Biomédica do Congo e dirige seu laboratório de genômica de patógenos.
A comunidade é um experimento científico lotado e não planejado.
“Não sabemos, mas posso especular e dizer que isso pode levar a um vírus capaz de uma transmissão mais sustentada de humano para humano”, diz Mbala. Ele acrescentou que é uma “questão de tempo” até que um paciente acabe infectado com ambas as cepas.
E esses pacientes serão pessoas como Efonge, que sustenta seus filhos vendendo sexo. Ela e seus vizinhos estão entre os mais marginalizados do país, com o menor acesso a cuidados médicos. “Se o vírus se estabelecer nesta população, seria difícil se livrar dele”, afirma Mbala.
A vacinação contra o mpox finalmente começou em Pakadjuma no início de dezembro, quatro meses depois que os Estados Unidos ofereceram ao Congo uma primeira doação de 50 mil vacinas. Os vacinadores realizaram dois dos dez dias planejados de imunizações; até sexta-feira, eles haviam oferecido as vacinas a apenas algumas centenas de trabalhadoras do sexo e profissionais de saúde.
Mais de 385 mil vacinas doadas contra o mpox chegaram ao Congo e pelo menos 700 mil mais estão aguardando envio. Mas o país havia administrado apenas 53 mil doses até a semana passada.
“Estamos satisfeitos? De forma alguma”, diz Ngashi Ngongo, que supervisiona a resposta ao mpox para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da África, que está coordenando a distribuição de vacinas em todo o continente. O Congo precisará usar as doses que têm antes que o país possa receber mais, disse ele.
Seis meses após o início da epidemia em Kinshasa, o centro de resposta ao mpox em Pakadjuma oferece apenas dois serviços para pessoas que acham que podem ter o vírus. Uma enfermeira pode esfregar suas lesões e enviar a amostra para teste, ou chamar uma ambulância para levar os muito doentes a um dos dois centros de tratamento.
No hospital Vijana, os pacientes estão amontoados cinco ou seis em um quarto em um pequeno prédio de tijolos de dois andares. As práticas de controle de infecção são imperfeitas, com máscaras, luvas e aventais trocados de forma desordenada. Um médico contraiu o vírus de um paciente e passou semanas hospitalizado, precisando de oxigênio suplementar.
Em uma manhã recente, uma mulher veio ao centro de Pakadjuma para fazer o teste. Ela se movia lentamente com um andar característico que é familiar no bairro —suas coxas mantidas bem afastadas para tentar evitar que qualquer parte da pele em sua virilha se tocasse. Quando ela se deitou na tenda, uma enfermeira, Bébé Bola, tocou as lesões em sua vulva com um cotonete de teste; a mulher soltou um grito agudo e irregular.
Bola tentou convencer a mulher a ir ao hospital, mas ela não estava disposta a deixar a comunidade —uma resposta que Bola encontra todos os dias.
“Esta é a aldeia deles, onde a família pode vir —em outro lugar, eles estarão sozinhos”, disse ela. Os pacientes temem enfrentar julgamento e desprezo como residentes de Pakadjuma. Então, eles recusam o transporte hospitalar.
“Não podemos forçá-los”, disse Bola. “Se pudéssemos manter as pessoas aqui, poderíamos controlar a epidemia —mas por enquanto, deixamos que saiam e a doença circula.”
As trabalhadoras do sexo em Pakadjuma normalmente atendem cerca de cinco clientes em uma noite típica, quando a música ressoa dos alto-falantes com graves pesados. Luzes coloridas guiam o caminho para casas movimentadas. Mas os negócios caíram à medida que a notícia sobre o vírus se espalhou.
Kyiazine Lwanga, que foi infectada em outubro e passou uma semana no hospital, disse que os trabalhadores da clínica lhe disseram para parar de trabalhar com sexo.
“Mas eu não tenho outra maneira de ganhar dinheiro, então continuei trabalhando”, disse ela. Com a queda no número de clientes, ela está vendendo seus pertences para sobreviver, incluindo sua única cadeira.
Há pouco ou nenhum rastreamento de contatos para pessoas infectadas em Pakadjuma. “As pessoas se movem, saem, tentam ganhar a vida”, diz Dieudonné Mwamba, diretor do Instituto Nacional de Saúde Pública. “Eles podem ficar fora de casa por três ou quatro dias. E você não pode fazer rastreamento de contatos por telefone, como faria nos EUA.”
Cada vez mais, os pacientes são crianças infectadas por suas mães (o vírus pode se espalhar através do toque e de cobertores compartilhados).
Disputas burocráticas continuam a atrasar um primeiro envio de 50 mil doses de uma vacina fabricada no Japão chamada LC16, a única imunização para este vírus aprovada para uso em crianças. O Japão ofereceu ao Congo 3 milhões de doses da vacina em agosto. Pode chegar nas próximas semanas.
Proteger as crianças exigirá mais do que as vacinas: ao contrário da injeção usada para adultos, a LC16 deve ser administrada com uma agulha especial de duas pontas que perfura a camada superior da pele. O Japão está doando um suprimento inicial das agulhas, mas os trabalhadores de saúde do Congo devem ser treinados para usá-las; este método não é usado há décadas.
A vacina vem em um frasco de 250 doses que deve ser descartado seis horas após a abertura; os programas de vacinação do Congo não demonstraram a capacidade de administrar as doses nesse período.
Christian Ngandu, diretor da organização nacional de vigilância e preparação para doenças do Congo, diz que Pakadjuma era sua principal preocupação. “Muitos recursos foram implantados aqui na capital para tentar extinguir a epidemia”, afirma ele.
Mas, Ngandu acrescenta, o surto —até mesmo o surgimento do novo clado— poderia ter sido evitado se o Congo tivesse apoio em 2022, quando uma cepa diferente de mpox causou uma pandemia global, com o vírus se espalhando principalmente entre homens que fazem sexo com homens e atingindo 120 países. (Esse surto foi controlado por uma resposta rápida e implantação de vacinas em outros países.)