© (Imagem: Design Cells/iStock)

Sean Cusack, engenheiro de software da Microsoft e apicultor nas horas vagas, queria saber se havia algo mais, além de abelhas, entrando em suas colmeias. Assim, montou uma cabine de fotos minúscula (uma espécie de vestíbulo das abelhas) que tirava fotos sempre que algo se aproximava. Mas a verificação de milhares de fotos de insetos provou ser bem entediante.

Um número crescente de novos produtos permite que qualquer pessoa utilize a inteligência artificial sem precisar saber programação. (Juan Carlos Pagan/The New York Times)

Colegas lhe falaram de um novo produto no qual a empresa estava trabalhando chamado Lobe.ai, que permite que qualquer pessoa treine um sistema de visão computacional para reconhecer objetos. Cusack o usou para identificar suas abelhas, mas também para ficar de olho na temida vespa asiática. “Foi muito simples”, disse Cusack, acrescentando que, apesar do nome do produto – “lobe” significa “lobo frontal” –, a ciência de dados subjacente “me passava por cima da cabeça”.

A plataforma Lobe permitiu que ele arrastasse e soltasse algumas fotos e clicasse em determinados botões para fazer um sistema que pudesse reconhecer suas amadas abelhas e identificar visitantes indesejados.

Cusack faz parte de um exército crescente de “desenvolvedores cidadãos”, que usam novos produtos que permitem a qualquer pessoa usar a inteligência artificial (IA) sem precisar escrever uma linha de código de computador. Os defensores da revolução da IA “sem código” acreditam que ela mudará o mundo. Antes, era necessária uma equipe de engenheiros para desenvolver um software, e agora os usuários com um navegador web e uma ideia na cabeça têm o poder de concretizá-la. “Estamos tentando pegar a IA e torná-la ridiculamente fácil”, resumiu Craig Wisneski, defensor da “ausência de código” e cofundador da Akkio, startup que permite a qualquer pessoa fazer previsões baseadas em dados.

Um número crescente de novos produtos permite que qualquer pessoa utilize a inteligência artificial sem precisar saber programação. (Juan Carlos Pagan/The New York Times)

A IA está seguindo uma evolução conhecida: “Primeiro, é usada por um pequeno núcleo de cientistas. Em seguida, a base de usuários se expande, chegando a engenheiros que navegam por nuances técnicas e jargões, até que, finalmente, se torna tão fácil de usar que qualquer pode ter acesso”, explicou Jonathan Reilly, outro cofundador da Akkio.

Assim como os ícones substituíram comandos de programação obscuros em computadores domésticos, novas plataformas sem código substituem uma linguagem de programação por interfaces web simples e familiares. E uma onda de startups está concedendo o poder da IA a usuários não técnicos, em domínios visuais, textuais e de áudio.

O Juji, por exemplo, é uma ferramenta projetada para tornar a construção de chatbots de IA tão fácil quanto criar uma apresentação do PowerPoint. Usa aprendizado de máquina para lidar automaticamente com fluxos complexos de conversa e inferir características particulares dos usuários para personalizar cada interação, em vez de simplesmente lançar mão de interações pré-programadas.

Segundo sua cofundadora, Michelle Zhou, o objetivo é dar aos chatbots do Juji habilidades humanas avançadas, como inteligência emocional, para que possam se conectar com os usuários em um nível mais humano do que os sistemas existentes. Usando o Juji, funcionários da Universidade do Illinois conseguiram criar e gerenciar seu chatbot de IA personalizado e agilizar suas operações de admissão de estudantes.

Mas nem todas as ferramentas existentes são robustas o suficiente para fazer mais do que tarefas simples. O Teachable Machine do Google é uma ferramenta de visão computacional semelhante ao Lobe.ai. Steve Saling, ex-arquiteto paisagista que agora sofre de esclerose lateral amiotrófica, trabalhou com a equipe do Teachable Machine por cerca de um ano e meio para treinar o liga-desliga de um sistema usando suas expressões faciais. “Fica mais preciso com mais dados”, explicou Saling em um e-mail, acrescentando, contudo, que o processo de coleta desses dados – fotos de seu rosto em diferentes ângulos e sob luz variada – é trabalhoso e o sistema nunca atingiu o nível de precisão necessário: “A automação precisa ter uma confiabilidade superior a 99 por cento para que haja confiança. O Teachable Machine vai chegar lá, mas precisa de tempo.”

De fato, ainda é cedo. “As ferramentas de IA sem código ainda estão à margem do movimento sem código mais amplo, porque pouca gente entende de aprendizado de máquina o suficiente para ter noção do que é possível”, comentou Josh Tiernan, que dirige o No Code Founders, comunidade de empreendedores não técnicos que usam ferramentas sem código, como WordPress ou Bubble. Mas espera que a IA sem código cresça à medida que mais pessoas compreendam seu potencial.

Outra força a favor da ausência de código: os avanços na própria IA estão tornando as plataformas sem código mais poderosas. A OpenAI, empresa cofundada por Elon Musk, tem um vasto sistema de IA, o GPT-3, que pode escrever um código quando solicitado. Pode até criar sites e fazer outras tarefas básicas de programação. A OpenAI usou o sistema para criar o GitHub Copilot, ferramenta com função de preenchimento automático para programadores, acelerando seu trabalho. A DeepMind, subsidiária da Alphabet, empresa controladora do Google, deu um passo à frente com uma ferramenta de IA capaz de escrever um código completo para resolver problemas complexos apresentados a ela oralmente ou por escrito.

Já os usuários do Power Platform da Microsoft, que inclui uma família de produtos sem código, podem gerar aplicativos simples apenas descrevendo-os. “Posso dizer algo como: ‘Procure todos os registros de clientes do ano passado’, e ele vai fazer isso automaticamente”, explicou Charles Lamanna, vice-presidente corporativo de aplicativos e plataformas de negócios da Microsoft. Ele estima que metade de todo o trabalho de escritório poderia ser automatizado com IA se houvesse desenvolvedores bastantes para fazer o trabalho. “A única maneira de fazer isso é capacitar todo mundo a ser um desenvolvedor sem código.”

Por fim, o público mais amplo será capaz de criar software habilitado para IA da mesma forma que os adolescentes de hoje criam efeitos de vídeo sofisticados, que teriam exigido um estúdio profissional há uma ou duas décadas.

Por enquanto, porém, a maioria dos usuários da IA sem código é de profissionais de negócios que querem simplificar a maneira como as coisas são feitas sem precisar envolver um programador. O AppSheet do Google, por exemplo, é uma plataforma aberta em que as pessoas podem inserir dados e, com um único clique, criar aplicativos de smartphone, tablet ou computador. Usa a IA para entender a intenção dos usuários e permite o desenvolvimento de aplicativos móveis e de desktop com visão computacional integrada e recursos de análise preditiva. Fazer aplicativos para uso pessoal é gratuito. “Estamos concentrados em tornar isso acessível às pessoas comuns”, disse Praveen Seshadri, cofundador e CEO da AppSheet.

E Cusack, o cara das abelhas? Seu sistema de IA nunca viu uma vespa asiática, mas pegou muitas vespas e lacrainhas invadindo suas colmeias – passo modesto, mas importante para o mundo sem código.

c. 2022 The New York Times Company

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