Sob o domínio de Putin, ditador de Belarus se reelege

O ditador Aleskandr Lukachenko vota em seção eleitora de Minsk, capital de Belarus - Natalia Kolesnikova/AFP
Para a surpresa de ninguém, Aleksandr Lukachenko foi reeleito no domingo (26) em uma eleição farsesca para mais cinco anos à frente da Belarus. “O último ditador da Europa”, como ele gosta de ser chamado, está no poder há 31 anos e teve, segundo pesquisa estatal de boca de urna, 87,6% dos votos.
A natureza de seu domínio sobre a nação eslava de 9 milhões habitantes, contudo, mudou. De um aliado inconstante de Moscou, Lukachenko tornou-se um cão de guarda na fronteira oeste de Vladimir Putin, o verdadeiro poder no país.
O líder não se abala com as acusações amplamente documentadas de que prendeu talvez 65 mil pessoas desde a eleição de 2020, na qual uma candidata abertamente de oposição, Svetlana Tikhanovskaia, concorreu em nome do marido banido.
Oficialmente, ela teve só 10% dos votos, mas houve fraudes maciças relatadas. Ela acabou por sair do país. Lukachenko apresentou sua versão dos fatos em uma entrevista de 4h20min durante o dia de votação.
Questionado sobre a lisura do pleito, ele disse: “Alguns escolheram a prisão, outros escolheram o exílio, como você [jornalista] diz. Nós não chutamos ninguém para fora do país, e a prisão é para pessoas que abriram demais a boca, para ser franco, aqueles que quebraram a lei”.
Como é comum em ditaduras que usam verniz eleitoral eventualmente, a Comissão Eleitoral de Belarus disse que mais de 80% da população participou do pleito. Lukachenko disputou com quatro candidatos anódinos, tirados de sua fileira de apoiadores.
De forma previsível, o Ocidente chamou o pleito de vergonhoso, como disse a chefe da diplomacia da União Europeia, a estoniana Kaja Kallas. Tikhanovskaia falou que a eleição era meramente o “ritual de um ditador”.
Na entrevista, Lukachenko disse não se importar com quem não reconhece sua gestão. Ele lembrou que soltou, “por razões humanitárias”, cerca de 250 prisioneiros políticos em 2024 —ONGs estimam que ainda haja 1.250 nas cadeias do regime.
Apesar de sua retórica, o ditador é uma figura menos poderosa hoje do que há cinco anos, quando a fraude na eleição levou milhares à ruas do país em protestos que foram reprimidos com violência.
Lukachenko chegou ao poder de forma surpreendente em 1994, derrotando o então premiê do país na primeira eleição livre desde o fim da União Soviética, país do qual Belarus fez parte até sua implosão em 1991.
Um popular ex-chefe de fazenda coletiva soviética, ele trabalhou para manter sinais de que o antigo império comunista ainda estava vivo em Belarus, inclusive adotando o autoritarismo personalista como mote.
As seis eleições seguintes, incluindo a de domingo (26), foram avaliadas como fraudulentas, com Lukachenko amealhando maiorias na casa dos 80% dos votos.
Mas até os protestos de 2020 ele cultivava uma independência ante o Kremlin e Putin, com quem começou a conviver quando o russo chegou ao cargo de premiê em 1999, para nunca mais deixar o poder de fato.
Ele o tratava como um parceiro menos experiente, e usava flertes constantes com a vizinha União Europeia para extrair vantagens dos dois lados. A elite belarussa, inclusive, sempre foi bastante ocidentalizada, apesar de seus laços históricos com Moscou.
Talvez temendo que um enfraquecimento de seu governo ao estilo do que ocorreu quando o presidente pró-Moscou em Kiev foi derrubado em 2014, levando a uma intervenção russa, Lukachenko recorreu a Putin na hora mais difícil.
Os países, que desde 1999 fazem parte de uma aliança chamada Estado da União, aprofundaram seus laços econômicos e militares. Minsk passou a comprar brigas feias com os vizinhos Polônia e Lituânia, com quem ameaçou escaramuças fronteiriças durante crises migratórias.
Na visão de Putin, Belarus é parte integral da Rússia, até pela origem comum das nações e da Ucrânia, que se rebelou contra o que acusa ser imperialismo do Kremlin. A parceria ganhou contornos de vassalagem por parte de Lukachenko a partir da Guerra da Ucrânia.
A invasão lançada em 2022 ocorreu com tropas e equipamentos russos passando e usando o solo belarusso. Sem participar diretamente do conflito, foi considerado cúmplice por Kiev e pelo Ocidente, que estendeu várias sanções a Minsk.
Aqui e ali, Lukachenko buscou mostrar alguma altivez, por exemplo na negociação pelo fim da motim mercenário contra a cúpula militar russa em 2023 ou na tentativa de acordo no início da guerra. Mas seu papel foi sendo reduzido ao de um soldado de Putin, recebendo em troca mimos como a entrada no bloco Brics.
Isso levou a Rússia a instalar ogivas nucleares táticas, de uso presumido mais restrito, no vizinho, para irritação da Polônia e de outros países da Otan nas redondezas. No ano passado, Minsk passou a ser protegida de forma vinculante por Moscou em caso de conflito, inclusive atômico.
Do ponto de vista militar e geopolítico, Belarus é um território tampão separando as forças do Ocidente da Rússia, a mesma forma como Moscou via a Ucrânia —daí seu principal “casus belli” da invasão de 2022.
Aos 70 anos, dois a menos que Putin, Lukachenko disse na entrevista que não tem planos de sucessão. “Não pretendo morrer tão cedo”, disse, com o desassombro típico dos ditadores.