Brasil depende mais de Musk do que bilionário de negócios no país, dizem especialistas; entenda
Elon Musk tem pouco a perder no Brasil, avaliam especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo. A Tesla, seu principal negócio, não vende carros aqui e importa lítio de outros países, e o X é irrelevante porque só dá prejuízo. A Starlink, com 7,5% dos seus clientes em território nacional, é única a empresa que mantém relações comerciais expressivas por aqui.
O Brasil, por outro lado, se tornou dependente da conexão via satélite da companhia em áreas críticas como postos de saúde e escolas em locais isolados, as Forças Armadas e o policiamento de fronteiras e de estradas.
Parte desses contratos foi feita com dispensa de licitação pelo “serviço sem par” da SpaceX, mostram documentos no Portal Nacional de Contratações Públicas Portal Nacional de Contratações Públicas.
Porém mesmo o maior negócio do bilionário tem pouca atividade, de fato, no Brasil. Mantém uma sede em território nacional apenas para fins contábeis e regulatórios, sob responsabilidade legal, desde a terça-feira passada (3), do escritório Pacaembu Serviços, com sede na rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo.
A operação brasileira da empresa negocia seus serviços por meio de sete representantes comerciais autorizados. A companhia está em atividade no Brasil desde janeiro de 2022, após comprar uma licença da Anatel por R$ 102 mil no fim de 2021.
O sócio-fundador da Starlink Brazil, Vitor Urner, outro especialista em abrir representações no país para estrangeiros, pediu para deixar a empresa após o embate judicial envolvendo o X. “Não falo mais pela empresa e não dou entrevistas”, disse Urner à reportagem.
Musk ainda teria recomendado que os funcionários da SpaceX que atuam no Brasil deixassem o país, segundo comunicado interno obtido pelo jornal americano The Wall Street Journal.
Procurada via email e redes sociais, a companhia aeroespacial não respondeu ao pedido de entrevista da Folha. Os escritórios Demarest Advogados e Veirano Advogados, que defendem a empresa em ações no STF, também não comentaram.
Embora a empresa tenha 224,5 mil clientes no Brasil, cerca de 0,5% do total do mercado de internet banda larga, segundo dados da Anatel, quase um terço deles está na região Norte, que tem um histórico de restrição de conexão. A companhia também tem forte presença no Centro-Oeste, com impulso de clientes no agronegócio.
“A Starlink tem antenas instaladas em 90% dos municípios da Amazônia e esse número só tende a crescer”, diz o professor e pesquisador no Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia David Nemer.
A empresa tem concorrentes, mas oferece a conexão via satélite mais barata e com menor latência [tempo de atraso entre o comando e a resposta na internet], de acordo com o fundador da empresa de negócios aeroespaciais Airvantis, Lucas Fonseca.
A assinatura residencial da Starlink custa a partir de R$ 184 mensais mais impostos, fora o investimento inicial na compra de uma antena.
Além de 52 concorrentes habilitados pela Anatel —sendo os principais a HughesNet, a Viasat e Telebras, com serviços mais caros—, Fonseca lembra que o Brasil tem o próprio satélite geoestacionário, o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), capaz de fornecer internet.
“Foi lançado após a descoberta da espionagem do governo brasileiro pela NSA [Agência de Segurança Nacional dos EUA]”, recorda. Segundo ele, porém, é difícil contratar o serviço, hoje vendido pela ViaSat.
Empresa | Clientes | Preço sem contar custo de insatalação |
---|---|---|
Starlink | 224.500 | A partir de R$ 184, mais impostos |
HughesNet | 176.900 | A partir de R$ 350, no serviço residencial |
Viasat | 24.800 | A partir de R$ 319, no serviço residencial |
Telebras | 24.500 | A partir de R$ 419 para empresas |
Claro | 19.500 | A partir de R$ 1.320 para empresas |
Fonte: Anatel
A latência do SGDC, que orbita a quase 36 mil km da Terra, é bem maior do que a da constelação de satélites da Starlink, situados em baixa altitude —de 540 km a 1.325 km. “Mas é viável no dia a dia, e poderia ser usado desde que a pessoa compre uma antena específica”, diz.
A expansão global da Starlink dá a Musk poder político, diz o professor de relações internacionais da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) Alcides Peron, que é especialista em políticas tecnológicas.
“Musk passa a ser quem determina quais conteúdos podem ser veiculados, uma vez que controla a circulação de dados —isso é viabilizado pelo controle da infraestrutura comunicacional”, diz.
O bilionário assumiu esse papel na esteira da mudança na política aeroespacial americana, que reduziu o papel da Nasa, para priorizar empresários dispostos a atuar no setor.
Hoje, a receita da SpaceX se divide entre contratos com o governo americano e os serviços da Starlink, segundo documentos obtidos pela agência Bloomberg —a expectativa é faturar US$ 15 bilhões (R$ 85 bilhões) em 2024.
Em publicação no X enviada à reportagem, a Starlink afirmou que, diferentemente do que informa a Anatel, teria 250 mil clientes no Brasil —segundo a empresa, seriam 3,3 milhões de assinantes do serviço em 99 países.
O número não é vital para a Starlink, mas o Brasil não deixa de ser um local estratégico para a empresa, na avaliação de especialistas.
Musk só cedeu às ordens judiciais quando mexeram no bolso dele –o bilionário só faz dinheiro de fato no Brasil com a Starlink–, afirma Nemer.
Uma vez que o X é hoje inviável como negócio, o bilionário não hesita em usá-lo para gerar confusão, mesmo sem ter um ganho político ou econômico claro, de acordo com o professor da Universidade da Virginia.
“Ao apoiar esses políticos mais conservadores do bolsonarismo, o que Musk ganha é um compromisso desses políticos para tentar barrar qualquer tipo de regulação das big techs.”
Por sua vez, o principal negócio do bilionário, a Tesla, nunca esboçou intenção de entrar no mercado brasileiro. O país nunca foi mencionado em documentos da empresa protocolados junto à comissão de valores mobiliários americana, a SEC, ou em balanços da empresa.
A única aproximação da empresa com o Brasil foi um flerte com a possibilidade de comprar a mineradora e processadora de lítio Sigma Lithium. O negócio, porém, nunca avançou.
Hoje, os principais fornecedores do minério da Tesla estão em China e Austrália. A Bolívia, por sua vez, tem, de longe, a maior reserva de lítio, com 23 milhões de toneladas, bem acima da reserva brasileira de 800 mil toneladas, de acordo com relatório da Bloomberg.
RAIO-X DAS EMPRESAS DE MUSK
Tesla
Atua no Brasil: Não
Fundação: julho de 2003
Valor de mercado: US$ 701,45 bi
Receita: US$ 96,77 bi em 2023
Número de funcionários: 140.473
Área de atuação: Carros elétricos e energia solar
Concorrentes: BYD
SpaceX
Atua no Brasil: Sim, por meio do serviço Starlink
Fundação: março de 2002
Valor de mercado: estimado em US$ 180 bilhões
Receita: Não revelada
Número de funcionários: Não revelado
Área de atuação: Setor aeroespacial e internet via satélite
Concorrentes: Amazon
X Corp
Atua no Brasil: Até ser bloqueada pelo STF no último dia 30
Fundação: março de 2006, adquirida por Musk em outubro de 2022
Valor de mercado: US$ 11,88 bi
Receita: Não revelada
Número de funcionários: Musk disse que empresa tem cerca de 2.300
Área de atuação: Rede social e publicidade
Concorrentes: Meta, TikTok
Neuralink
Atua no Brasil: não
Fundação: junho de 2016
Valor de mercado: US$ 3,5 bi
Receita: Não revelada
Número de funcionários: Não revelado
Área de atuação: Saúde e neurotecnologia
Concorrentes: Synchron
Boring Company
Atua no Brasil: não
Fundação: dezembro de 2016
Valor de mercado: US$ 5,7 bi
Receita: Não revelada
Número de funcionários: Não revelado
Área de atuação: Transporte e construção de túneis
Concorrentes: Hyperloop
Musk Foundation
Atua no Brasil: não
Fundação mantida por Musk junto ao irmão Kinball Musk, que oferece bolsa para pesquisas nos ramos de energia renovável, exploração espacial, pediatria, educação em ciências e engenharias e desenvolvimento de inteligência artificial.