Centro Islâmico: conheça rotina e frequentadores da única mesquita da Paraíba

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Centro Islâmico de João Pessoa — Foto: Ângela Duarte

Por Ângela Duarte e Lua Lacerda*

O Centro Islâmico de João Pessoa, localizado no bairro dos Estados, existe há 11 anos. É a única mesquita da Paraíba e já chegou a receber 50 praticantes do islamismo. É lá onde os muçulmanos, cuja maioria é formada por brasileiros convertidos, se reúnem para orar todas as sextas-feiras. O local é mantido através de doações. Os muçulmanos e muçulmanas que frequentam o espaço falam sobre sua rotina de orações e dificuldades enfrentadas nas ruas de João Pessoa.

Sheik realiza o sermão para os praticantes da fé todas as sextas-feiras no Centro Islâmico de João Pessoa — Foto: Lua Lacerda (g1)
Sheik realiza o sermão para os praticantes da fé todas as sextas-feiras no Centro Islâmico de João Pessoa — Foto: Lua Lacerda (g1)

Ao entrar na pequena mesquita, há uma sala com dois grandes tapetes e algumas inscrições em árabe: lá é onde, com homens na frente e mulheres atrás, os muçulmanos oram. Quem não conhece a religião, pode estranhar eles se posicionarem na diagonal, mas os seguidores do Islã sempre oram em direção a Meca, na Arábia Saudita, a cidade mais sagrada do Islamismo.

Mulçumanos orando em direção a Meca — Foto: Ângela Duarte
Muçulmanos orando em direção a Meca — Foto: Ângela Duarte

Além do espaço para as orações, a mesquita possui uma cozinha, um quarto e uma brinquedoteca. Na parte de fora, dois espaços para a ablução, ou wudu, que é o ritual de purificação necessário antes de toda oração.

Fundada em 2011, o número exato de religiosos que frequentam o local é difícil de calcular devido aos transeuntes. Mas, segundo a organização, a mesquita chegou a ser frequentada por, pelo menos, 50 muçulmanos. A maioria são imigrantes de países muçulmanos, como Paquistão e Egito, e brasileiros convertidos. Ou revertidos, como se declaram, pois acreditam que “todos nascem muçulmanos, mas nos desviamos no caminho, por isso chamamos de reversão quando alguém decide ser muçulmano”, explica Soraya Vilar, uma das frequentadoras da mesquita.

Paraibana fala sobre sua conversão ao islã (veja vídeo clicando aqui)

Atualmente, o Centro Islâmico abre somente às sextas-feiras para o sermão do Sheik, líder religioso. A ida à mesquita é obrigatória apenas aos homens, mas mulheres também podem ir. Além disso, pessoas que não seguem a religião são bem-vindas para conhecer o local, mas devem usar roupas modestas e as mulheres devem cobrir o cabelo.

Rotina de orações

Local para ablução - lavagem do corpo ou partes dele - no Centro Islâmico de João Pessoa — Foto: Lua Lacerda
Local para ablução – lavagem do corpo ou partes dele – no Centro Islâmico de João Pessoa — Foto: Lua Lacerda

Ao todo, os muçulmanos praticam cinco orações por dia. Antes do nascer do sol, ao meio dia, à tarde, ao pôr do sol e à noite. Em cada uma das orações é repetida a Surata da Abertura, o primeiro capítulo do Alcorão, em árabe, e depois deve ser recitado qualquer outro trecho do livro sagrado.

As orações são sempre precedidas pelos rituais de lavagem e purificação, nos quais os muçulmanos lavam o rosto, as mãos, os braços e os pés. Na mesquita de João Pessoa, os mulçumanos se encontram apenas às sextas-feiras. Aos sábados, porém, realizam uma atividade externa de divulgação do Islamismo em pontos turísticos da cidade, como é o caso da orla do Cabo Branco. São distribuídos livros gratuitamente, com o objetivo de informar sobre o Islã e aproximar as pessoas da religião.

A sexta-feira é um dia importante na religião islâmica e substitui os sábados nos países que seguem a doutrina: no calendário muçulmano as sextas e sábados equivalem ao final de semana e os meses seguem as fases da lua; além disso, os anos são contados a partir da Hégira, a fuga de Maomé para Medina: 2022 é, no calendário muçulmano, 1444.

Livros distribuídos pelo Centro Islâmico.  — Foto: Ângela Duarte
Livros distribuídos pelo Centro Islâmico. — Foto: Ângela Duarte

Muçulmanos se reuniam em garagem e academia de boxe

Antes disso, os seguidores da religião se reuniam na garagem da residência do atual Primeiro Vice-Presidente da entidade, João de Deus, no bairro de Manaíra. “Em 2010, eu e mais oito irmãos fundamos o Centro Islâmico de João Pessoa e nos reuníamos na minha residência, e no ano de 2011 adquirimos, com a ajuda de uma família muçulmana de Dubai, o prédio onde está funcionando até os dias atuais, no Bairro dos Estados”, conta.

João de Deus, fundador da mesquita, é ex pastor envagélico — Foto: Arquivo pessoal
João de Deus, fundador da mesquita, é ex pastor envagélico — Foto: Arquivo pessoal

Atualmente morando em Dubai, nos Emirados Árabes, João de Deus, que é ex-pastor evangélico, explica que o funcionamento da casa que abriga o Centro, e que antes era uma residência familiar, só é possível com a ajuda de outros muçulmanos.

“Para as despesas de manutenção recebemos a ajuda de um irmão dos Emirados Árabes, contando ainda com a ajuda da comunidade muçulmana local. No momento, também, estamos em contato com a WAMY, a Assembleia Mundial da Juventude Islâmica no Brasil, que tem nos ajudado na divulgação da religião”, detalha o ex-pastor.

Além do Centro Islâmico de João Pessoa, funciona na capital uma mussala (sala de oração) na Academia Mesquita Brothers, no bairro do Bessa, pertencente ao ex-pugilista e lenda do boxe Muhammad Mesquita. A mussala foi a primeira sala de reuniões islâmicas no estado.

Maioria são imigrantes ou convertidos

Vanessa Karla é doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e faz parte do Grupo de Estudos Culturais do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/CNPq). Ela estuda o Islã no Nordeste há treze anos. De acordo com a pesquisadora, a maioria dos muçulmanos na Paraíba são revertidos ou imigrantes, mas os números exatos são difíceis de encontrar. No Brasil existem ainda pessoas de famílias muçulmanas que descendem de imigrantes e que cresceram dentro da religião.

Vanessa Karla estuda o Islã no Nordeste há treze anos — Foto: Arquivo pessoal
Vanessa Karla estuda o Islã no Nordeste há treze anos — Foto: Arquivo pessoal

“No último IBGE não foram computados muçulmanos na Paraíba, pelo menos não encontrei estes dados, e a quantidade de seguidores da religião no estado não é precisa. Mas o número de revertidos é maior do que de nascidos muçulmanos, e são, na sua maioria, mulheres. Há também muitos migrantes por estudos (de alguns países da África), trabalho e casamento”, explica.

A pesquisadora acompanha o Centro Islâmico de João Pessoa em seus estudos e já chegou a contabilizar cerca de 45 frequentadores da mesquita. Porém, “hoje eles se reúnem em maior número em dias especiais ou rituais como na época do Ramadã, mas é difícil precisar pelo fluxo”, comenta.

O fluxo citado pela pesquisadora é o fluxo migratório, causado pela grande quantidade de muçulmanos estrangeiros frequentando temporariamente a mesquita. Além disso, muitos dos que se convertem se mudam para outros países, como é o caso de João de Deus, fundador do Centro Islâmico e que hoje mora em Dubai, nos Emirados Árabes.

Vanessa também destaca que os muçulmanos em João Pessoa seguem, em maioria, a vertente sunita, que é a maior vertente da religião no mundo. Porém, a pesquisadora informa que em Campina Grande existem seguidores da vertente xiita. “A maioria dos muçulmanos na Paraíba são sunitas. Há alguns xiitas em Campina Grande, mas, nada institucionalizado”, revela.

“De modo geral, essas vertentes se diferenciam pela compreensão de sucessão do profeta Maomé após a sua morte: os xiitas entendiam que o genro de Maomé deveria sucedê-lo na liderança dos muçulmanos. Por outro lado, os sunitas defendiam a sucessão por meio de um dos adeptos do Islã. Essas diferenças têm raízes conflituosas profundas ao longo da história que permanecem até os dias de hoje”, explica a antropóloga.

Mulheres muçulmanas enfrentam dificuldade no mercado de trabalho

Vanessa, Juliana e Soraya no Centro Islâmico de João Pessoa. — Foto: Soraya Vilar
Vanessa, Juliana e Soraya no Centro Islâmico de João Pessoa. — Foto: Soraya Vilar

De todos os símbolos do Islã, talvez o hijab seja o mais conhecido. O uso do véu, que cobre os cabelos e o busto, é obrigatório para as mulheres muçulmanas. Na capital da Paraíba, o calor não é o principal desafio para manter o uso do véu. As maiores dificuldades estão, na verdade, no mercado de trabalho.

“Conseguir emprego usando hijab é muito difícil. É como se o véu tirasse minhas capacidades intelectuais, anulasse meu currículo”, diz Juliana Silveira, esposa de Ammar Sayed, Sheik da mesquita paraibana. Ela e o marido, que é egípcio, são fundadores de um curso on-line de árabe.

Para contornar a situação, elas encontram outros meios. Vanessa Schuh, por exemplo, trabalha com o esposo Antonio Ahmed na área do marketing digital. Todo o trabalho é concentrado virtualmente e, frequentemente, seus clientes sequer sabem que eles são mulçumanos.

Já Soraya Vilar esperou um tempo antes de iniciar o uso do hijab em seu local de trabalho, pois observava curiosidade e resistência em alguns comentários de seus colegas quando falava sobre sua conversão. Desempregada com a chegada da pandemia da Covid-19, ela passou a realizar bicos como motorista de transporte por aplicativo e outros trabalhos, sem nunca abrir mão do uso do véu.

Soraya Vilar é formada em direito e enfrentou preconceito nos primeiros semestres da Universidade — Foto: Lua Lacerda/g1
Soraya Vilar é formada em direito e enfrentou preconceito nos primeiros semestres da Universidade — Foto: Lua Lacerda/g1

Além disso, Soraya, que é formada em direito, também relembra que sofreu muito preconceito nos primeiros semestres da universidade. “Eu fui na direção do curso e disse que não aceitava ser tratada daquele jeito num curso de direito, onde a gente estuda para defender o direito das pessoas, como é que eu não tinha o meu direito preservado?”, conta.

O hijab, símbolo tão importante para as muçulmanas na demonstração de sua fé, também enfrenta alguma resistência nas ruas de João Pessoa. Elas relatam que recebem olhares, mas que evitam reagir às ofensas. “Você não pode dar para eles a agressividade que eles esperam”, diz Juliana Silveira, que acredita que, por falta de informação, a religião é submetida a estereótipos e associações preconceituosas em relação ao oriente.

“As evangélicas são as piores”, complementa Juliana sobre as ofensas que já enfrentou nas ruas. Ainda assim, mantém: a resposta é rir, descontrair, mas não revidar.

Cultura e internet influenciam revertidos

De acordo com a doutoranda em antropologia social Vanessa Karla, a reversão de brasileiros ao Islamismo teve um crescimento expressivo entre o final da década de 1990 e os anos 2000.

Além da ascensão da internet, a representação do Islã na teledramaturgia, como aconteceu na novela ‘O Clone’, de 2001, da Rede Globo, chamou a atenção de muitos brasileiros, como foi o caso de Soraya Vilar, uma das frequentadoras do Centro Islâmico de João Pessoa.

Soraya é muçulmana há cerca de 9 anos e começou a pesquisar sobre o Islâmismo na internet após assistir a novela ‘O Clone’. Curiosa, fez uma publicação no Twitter procurando por alguém que pudesse lhe ensinar mais sobre a religião – postagem essa que, de acordo com ela, atingiu cerca de 7 mil usuários da rede social.

Soraya se emociona relembrando uma conversa que teve com outro muçulmano sobre isso. “Ela disse para mim, você estava perdida, pediu socorro e Allah te respondeu 7 mil vezes”.

Muitos muçulmanos revertidos conheceram a religião pela internet. De acordo com a doutoranda Vanessa Karla, “as redes sociais tem se tornado um espaço crescente de expressividade da religiosidade islâmica com doutrinamento, popularização do estilo de vida do brasileiro/a muçulmano e conflitos também”.

O que pensam as muçulmanas na Paraíba sobre os protestos no Irã?

Recentemente, uma série de protestos contra o uso obrigatório do véu vieram à tona no Irã. Lideradas por jovens mulheres, o estopim das ações foi a morte de Mahsa Amini, uma jovem estudante de 22 anos que foi presa pelas autoridades locais após ser flagrada usando “inadequadamente” seu hijab.

As ações, claro, vão muito além do véu e dizem respeito a um profundo e complexo processo da sociedade iraniana. Por usarem o hijab voluntariamente e por desejo próprio, é comum que as muçulmanas brasileiras tenham sua opinião questionada quanto ao uso obrigatório do véu em alguns países do Oriente Médio.

Em tom crítico à situação vivida pelas iranianas nesse momento, Soraya diz que o hijab só é e deve ser obrigatório para as mulheres muçulmanas por devoção e que as regras do Islã não devem ser as mesmas leis do Estado. “Você tem que estar onde Deus quer que você esteja”, diz a advogada e muçulmana há 9 anos. O problema, para ela, consiste na fusão totalitária da religião ao Estado, uma vez que o chamado de Deus pode se manifestar de formas diversas a pluralidade dos indivíduos.

O Sheik do centro Islâmico, Ammar Sayed, chama atenção: “se você crê em um Deus que é um só e não três, então nós acreditamos no mesmo Deus”.

*Sob supervisão de Krys Carneiro

 

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