Com Renan e Lira atuando, Alagoas e Maceió travam disputa bilionária no STF

0

Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

por Carlos Madeiro

Apoiados pelos seus maiores aliados de Brasília —o deputado Arthur Lira (PP) e o senador Renan Calheiros (MDB)—, Prefeitura de Maceió e governo de Alagoas travam uma disputa judicial bilionária pelos recursos da outorga do serviço de saneamento concedido pelo estado em 2020. A briga entre os entes é antiga e reproduz, em âmbito local, a disputa em Brasília dos seus caciques.

A disputa é fruto de uma ação de 2021 no STF (Supremo Tribunal Federal) impetrada pelo PSB —antigo partido do prefeito João Henrique Caldas, o JHC (hoje no PL). Ela pede que o governo do estado repasse aos 13 municípios da região metropolitana parte dos R$ 2 bilhões pagos pela BRK Ambiental pela concessão por 35 anos dos serviços de água e esgoto.

O leilão de concessão ocorreu em 30 de setembro de 2020, ainda na gestão do governador Renan Filho (MDB). Foi a primeira licitação no país seguindo as novas modelagens do BNDES para desestatização das concessionárias estaduais de saneamento.

À época, o governo decidiu que o dinheiro captado pela cessão deveria ser 100% do estado. JHC assumiu a prefeitura em janeiro de 2021 e judicializou a questão.

Desde novembro de 2021, decisão do ministro Edson Fachin bloqueou metade do valor da outorga (cerca de R$ 1,2 bilhão em valores atualizados) até uma definição quem será o(s) dono(s) do montante.

Audiência sem acordo

Na terça-feira da semana passada, o STF realizou uma nova audiência de conciliação (a quarta do caso), que contou com a presença do próprio presidente do STF, Luís Roberto Barroso.

A reunião também contou com a presença de Lira, que foi pessoalmente apoiar os municípios. Renan pai e Renan Filho não foram, mas sabe-se que eles atuam nos bastidores a favor do governo do estado.

Barroso tentou um acordo e sugeriu que R$ 800 milhões fossem repassados pelo estado aos municípios. Maceió e outras prefeituras aceitaram de pronto, mas o estado recusou. Em seguida, o governador Paulo Dantas (MDB) propôs um valor menor: R$ 600 milhões.

A proposta do governo foi rechaçada por Barroso, que afirmou ainda na mesa que a proposta não era razoável. Além disso, a decisão do percentual pelo STF deve se tornar um parâmetro para casos que sejam judicializados.

O caso está sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, que vai decidir se convoca outra audiência de conciliação ou se decidirá de vez a forma de partilha.

Zanin, por sinal, advogou para o governador Paulo Dantas no processo do STJ que o afastou do cargo em 2022 —mas, segundo apurou a coluna, isso não é visto pelos municípios como um problema e não haverá pedidos de suspeição.

Municípios aceitariam, mas “infelizes”

O procurador geral de Maceió, João Lobo, afirma que os municípios mostraram flexibilização ao aceitarem a proposta de Barroso. “Demonstramos que não era algo inicialmente pretendido, não nos deixava felizes, mas aceitaríamos para receber logo e encerrar o caso”, disse.

Segundo ele, o pedido inicial era de que todos os R$ 2 bilhões deveriam ser repassados pelo estado, mas o entendimento não foi aceito pelo STF, que decidiu que ao menos metade deveria ser do cofre estadual.

“Em todos os estados em que houve outorga de concessão dos serviços desse tipo, houve divisão com os municípios. A modelagem que dividiu menos até aqui foi a do Rio do Janeiro, que teve 50% para o estado e 50% para os municípios. Nós aceitaríamos o percentual mais baixo de todos, menos de 40% do total, mas mesmo assim o estado não aceitou.” — João Lobo

Após a audiência, Maceió entrou com pedido para que os R$ 600 milhões propostos pelo estado sejam depositados para os municípios, deixando o restante em conta bloqueada para definição posterior. Outros municípios seguiram e assinaram o mesmo pedido. Ainda não há decisão.

O portal procurou a PGE (Procuradoria Geral do Estado), que se limitou a mandar uma nota.

“A Procuradoria-geral do Estado defende que foi o Governo de Alagoas que sempre fez investimentos, através da Casal, para o fornecimento de água e saneamento básico. O estado, inclusive, segue, ainda, tendo despesas com a Casal. Buscamos juridicamente um acordo justo, que indenize quem realmente garantia os serviços para a população alagoana.” — Samya Suruagy, procuradora-geral de Alagoas

Disputa política

Nos bastidores, sabe-se que a queda de braço no STF é mais um capítulo de uma disputa não só pelo dinheiro, mas por poder e política.

JHC é o nome mais forte que ameaça a permanência do MDB na cadeira principal do governo do estado —que o partido comanda desde 2015. Nem mesmo a crise com o colapso da mina 18 conseguiu unir os dois governantes, o que dificultou a resposta pública ao desgaste.

Não é de agora que MDB e os Calheiros tentam desidratar JHC com ataques em entrevistas e nas redes sociais, além de ações judiciais.

A última tentativa veio com uma ação do governo do estado que tentou anular o acordo da prefeitura com a Braskem a título de indenização pelas perdas causadas pelo afundamento dos bairros pela mineração de sal-gema.

O estado alegou que entes e vítimas ficaram fora do acordo assinado, mas a Justiça negou o pedido.

Não à toa, nos últimos meses, o senador Renan Calheiros tem falado reiteradamente da atuação da prefeitura na condução da crise gerada pela Braskem, criticando o acordo fechado por JHC e lutando para que uma CPI saísse do papel em Brasília.

Calheiros, porém, sofre ataques de opositores por participar da CPI, já que ele foi presidente da Salgema S/A, empresa que deu origem à Braskem, entre 1993 e 1994.

Em meio à troca de farpas, o MDB não vê nomes competitivos e dá como certa a reeleição de JHC em Maceió no ano que vem. Ele está de olho mesmo é na disputa ao governo do estado de 2026, quando o prefeito deve concorrer com apoio de Arthur Lira contra o hoje ministro Renan Filho. Lira tem interesse em sair para o Senado.

Mesmo assim, o partido dos Calheiros pretende lançar um ou mais candidatos para que ocupem espaço de oposição no guia eleitoral e debates e façam campanha tentando enfraquecer.

About Author

Deixe um comentário...