Entre jogadores brasileiros, 5% já venderam alguma coisa para apostar, segundo Datafolha

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A imagem mostra as mãos de uma pessoa segurando um celular branco, enquanto ela interage com um jogo na tela. O fundo é de grama verde, e a pessoa está sentada. A tela do celular exibe um jogo colorido com elementos gráficos vibrantes.
Laryssa, 28 anos e moradora de Paraisópolis, joga na plataforma online de jogos de azar, conhecidas como bets – Allison Sales/Folhapress

“Eu não roubava, mas mentia e inventava desculpas para pedir dinheiro emprestado ou para vender coisas da loja da minha mãe, onde eu trabalhava”, disse Cléber, um dos apostadores abstêmios presentes em reunião dos Jogadores Anônimos na cidade de São Paulo.

Esta reportagem usou um nome fictício em respeito ao pacto de anonimato adotado pelo grupo de ajuda mútua entre pessoas dependentes de apostas, que recebeu a reportagem. Na capital, o grupo se reúne em pontos na região central, em Santa Ifigênia e Luz, além da zona sul, em Santo Amaro e Jabaquara.

A situação de Cléber é compartilhada por outros pacientes diagnosticados com compulsão por jogo. Pesquisa Datafolha mostra que, entre as pessoas que já apostaram, 5% já venderam algum bem para jogar, 15% já pediram dinheiro emprestado e 22% usaram recursos que deveriam ser destinados ao pagamento de contas.

Outros 52% dizem nunca ter comprometido as finanças pessoais com a prática. O resultado tem base em 1.935 entrevistas presenciais, realizadas em 113 municípios, de todas as regiões do Brasil. Desse grupo, 430 responderam apostar, o que faz a margem de erro para as questões abordadas nesta reportagem ser de cinco pontos percentuais, para mais ou para menos.

Cléber só buscou ajuda quando um agiota o foi procurar, armado, para cobrar dívidas e se deparou apenas com a esposa do apostador. O devedor havia sido expulso de casa dias antes devido à dependência. Ele chegou ao grupo de apoio por incentivo de familiares.

Hoje, ele está há mais de um ano e meio sem apostar, embora tenha feito dívidas na faixa dos milhares de reais durante o período em que jogou.

Os próprios membros dos jogadores anônimos que falaram com a reportagem reconhecem que nem todo apostador é compulsivo. Em seguida, emendam que quem está em situação de jogo patológico causa estragos para toda a família.

Entre os apostadores questionados pela pesquisa Datafolha, 37% relatam algum mal-estar mental, sendo que 6% se autodeclaram dependentes e outros 2% dizem ter sofrido episódios de ideação suicida. A taxa epidemiológica de compulsão por apostas fica entre 1% e 2% em outros países do mundo.

A psicóloga do Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-Amjo), do Hospital da Clínicas, Maria Paula de Oliveira diz que uma pessoa que não apresenta todas as características de um quadro grave de dependência ainda pode se endividar e gerar problemas para a família. “Essa estatística de 1% a 2% é enganadora, na realidade vemos 20% das pessoas sendo afetadas direta ou indiretamente pelo jogo.”

O apostador em situação de dependência perde o controle de si. “Admitirmos que éramos impotentes perante o jogo” é o primeiro passo de recuperação dos jogadores anônimos. Um dos alertas antes da reunião é não confessar crimes que ainda sejam juridicamente imputáveis.

“O destino do jogador é o desemprego e a solidão, a prisão ou a morte”, disse Juliano, outro jogador anônimo cujo nome original foi preservado. Ele vive a abstinência há 93 dias, depois de passar um período em internação.

Segundo Oliveira, os ambulatórios do país fazem apenas atendimento. “A pessoa é internada quando passa por uma tentativa de suicídio ou procura uma daquelas chamadas comunidades terapêuticas [em geral, associada a grupos religiosos].”

A pesquisa Datafolha mostra que o gasto mediano dos jogadores, aquele aferido na metade da amostra estudada, representava R$ 60. O valor médio direcionado às bets, por sua vez, atingia os R$ 216. Essa diferença indica que os apostadores que gastam mais impulsionam o valor médio registrado —ou seja, os gastos entre as pessoas que mais apostam são bem acima dos R$ 216 declarados.

Em relação à pesquisa anterior do Datafolha sobre o tema, feita em 5 de dezembro do ano passado, o valor médio gasto por mês ficou caiu de R$ 263 para R$ 216.

O gasto médio com caça-níqueis, estimado pela primeira vez, fica em R$ 354, com mediana registrada em R$ 100.

O número de pessoas que diz perceber mais perdas do que ganhos, por sua vez, subiu de 52% para 59%, nas apostas esportivas. Entre quem gasta com cassinos online, 67% afirmam ter mais prejuízos.

Heitor, também com nome fictício, relata que percebeu os prejuízos que sofria ao migrar dos caça-níqueis físicos e jogo do bicho para os jogos online. “Eu via quando eu colocava uma nota de R$ 2 ou R$ 5 na máquina; no celular eu dava um giro de R$ 300 e nem sentia o dinheiro indo.”

Segundo ele, em uma viagem de ônibus do Jabaquara ao centro de São Paulo, os caça-níqueis virtuais lhe custavam de R$ 5.000 a R$ 6.000.

Dos entrevistados que costumam jogar em cassinos online, 23% declararam que o fazem todos os dias, e 26%, uma vez por semana.

A recorrência é menor entre quem faz apostas esportivas. Nesse grupo, 13% declararam jogar todos os dias, e 35%, uma vez por semana.

Cléber, no entanto, apostava só em esporte. “Comecei no futebol e no basquete, que eu acompanhava, mas aquilo deixou de bastar”, recorda. Atrás de mais resultados, o jogador, segundo o próprio depoimento, começou a chutar os resultados e os lances de partidas de tênis de mesa, modalidade conhecida pelo ritmo frenético. “Eu só queria continuar apostando”, diz.

Os relatos ouvidos pela reportagem, além dos jogos online, incluíam bingo, carteado, jogo do bicho e caça-níqueis. Na sala, havia duas mulheres, sendo que uma (também ex-jogadora) conduzia a reunião, e 13 homens.

COMO IDENTIFICAR O JOGO PATOLÓGICO

O Programa Ambulatorial do Jogo Patológico elaborou um teste para indicar o risco de dependência em apostas. Quem passou por ao menos quatro das nove situações listadas abaixo, nos últimos 12 meses, deve buscar ajuda.

  1. Necessidade de jogar com quantidades crescentes de dinheiro, a fim de obter a excitação desejada
  2. É agitado ou irritado quando tenta parar de jogar ou diminuir a frequência de jogo
  3. Tem feito repetidos esforços infrutíferos para controlar a ânsia de jogar
  4. Tem pensamentos persistentes de reviver experiências de jogo passadas ou, ao planejar a próxima aventura, pensa em maneiras de obter dinheiro para jogar
  5. Quando joga, sente-se angustiado (por exemplo, impotente, culpado, ansioso, deprimido)
  6. Depois de perder dinheiro no jogo, frequentemente volta às apostas para recuperar perdas
  7. Mente para esconder a extensão do envolvimento com jogos de azar
  8. Colocou em risco ou perdeu um relacionamento significativo, emprego ou oportunidade de educação ou carreira
  9. Depende de outros para prover dinheiro para sair de situação financeira causada pelo jogo

ONDE BUSCAR AJUDA

Jogadores Anônimos do Brasil
Encontros para compartilhar experiências e ajudar outras pessoas a se recuperar de problemas de jogo. Há cidades que realizam reuniões semanais regulares
jogadoresanonimos.com.br

PRO-AMJO
Serviço do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP é voltado para estudar e tratar pacientes com transtorno do jogo
www.proamiti.com.br/transtornodojogo
(11) 2661-7805

Serviços de saúde
Procure uma UBS (Unidade Básica de Saúde) ou Caps (Centros de Atenção Psicossocial) mais próximos de sua residência para encaminhamento psicológico

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