Garimpo feito por brasileiros contamina rios e indígenas da Guiana Francesa
O sofrimento é o de quem vê seu lar sendo destruído. “Quando tomo banho no rio, me sinto como um porco na água suja”, diz Patrick Twenké, o “grand man” (homem grande) dos indígenas wayanas na Guiana Francesa. “É humilhante.”
Dois anos após substituir seu pai nesse posto de liderança ancestral, ele vê a aldeia de Taluen, na fronteira com o Suriname, tomada pelas consequências do garimpo ilegal que se expande nesse departamento ultramarino francês com mão de obra que vem do Brasil.
“O maior problema é o rio, que nos alimenta. E a floresta, que é como a nossa geladeira. Agora muitos de nós têm medo de ir caçar no mato, devido à presença dos garimpeiros”, relata ele, líder de um povo distribuído em seis aldeias e com cerca de 1.500 pessoas.
A relação com os garimpeiros brasileiros não é conflituosa. Até torneio de futebol com eles os wayanas já organizaram, mas os resquícios do garimpo estão por todo lado, diz o cacique Aïmawale Opoya.
“Com eles vêm o roubo de motores, as drogas, a prostituição. Muitos usam a unidade de saúde daqui, há muitos casos de Aids no garimpo.”
E, ainda mais grave, a contaminação dos rios com o mercúrio usado no processo de separação do ouro e descartado de forma indiscriminada na natureza. O metal tóxico pinta de amarelo e marrom parte do rio Maroni no qual o cacique e o “grand man” tomam banho desde crianças.
Mulheres e crianças wayanas sentem os efeitos da contaminação pelo mercúrio. A artesã Linia Opoya, 47, tenta conscientizar as mulheres de sua aldeia a mudarem a dieta que por tantas gerações as acompanhou.
“Busco explicar a importância de fazer uma pausa de pelo menos duas semanas para comer peixes carnívoros [para evitar ingestão frequente de mercúrio]. O problema é que já não há tanta variedade nos rios para que possam escolher.”
O mercúrio é transformado em material orgânico ao ser despejado nos rios e entra nas microalgas. Dali se espraia por toda a cadeia alimentar e termina no organismo de wayanas como Linia, que por ser “aquela com maiores índices de contaminação”, como se descreve, preside a Associação das Vítimas do Mercúrio do Alto Maroni.
Vertigem, azia, dor muscular e nas articulações e queda de cabelo foram alguns dos sintomas que sentiu. Sua mãe também compartilha de alguns deles. Era o irmão de Linia o responsável por pescar em uma aldeia vizinha e abastecê-las. A dieta teve de mudar.
Há mais de 30 anos na Guiana Francesa, o infectologista Rémy Pignoux é quem mais tem conhecimento no tema. Há décadas se mudou para Maripasoula, cidade mais próxima às aldeias.
É nesta região que está concentrada a maior parte dos garimpos ilegais na área do Parque Amazônico, unidade de conservação. Aos finais de semana, retorna à capital Caiena para estar com a família.
“É uma grande injustiça. Os indígenas não podem comer os peixes dos rios, por isso têm de comprar nos comércios chineses, [que também abastecem o garimpo com mercúrio,] do outro lado do rio. Pratos feitos, refrigerante, coisas gordurosas, salgadas viraram sua alimentação.”
Ao menos 90% das mulheres das chamadas “comunidades do rio”, às margens do Maroni, que separa a Guiana Francesa do Suriname, têm índices de mercúrio superiores ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde, diz Pignoux, assim como mais de 50% das crianças.
São níveis que provocam alterações no sistema nervoso central, mas que não conseguem ser detectadas em ressonâncias na gravidez —só vão ser percebidas nas crianças wayanas por volta de 5 anos.
“São problemas de memória, de aprendizagem, de comportamento, além de baixa audição e visão”, descreve. “A vida dessas crianças vai ser complicada por uma dificuldade de se inserir na sociedade.”
Mas o garimpo ilegal não escolhe para quem distribuir suas consequências. Pignoux também recebe muitas crianças filhas de garimpeiros brasileiros com sinais de autismo, que ele atribui ao tempo exacerbado de uso de celular enquanto os pais trabalham.
Cerca de 20% de seus pacientes são garimpeiros, frequentadores das mesmas unidades de saúde às quais vão os indígenas contaminados pelo mercúrio usado nessa atividade ilegal.
Do outro lado da Guiana Francesa, agora na fronteira com o Brasil, os efeitos do garimpo ilegal também mudam a realidade e esgarçam ainda mais as tradições que o povo wajãpi tenta manter.
“Os garimpeiros compram os jovens daqui”, diz o cacique Denis Laprière. Com a sabedoria de quem conhece o rio Oiapoque como a palma da mão desde que nasceu, os jovens indígenas são recrutados pelo garimpo para fazer o transporte de garimpeiros e equipamentos de barco durante a noite, quando a possibilidade de acidentes é muito maior, mas a de fiscalização das forças de segurança é bem menor.
Oferecem cerca de 1.500 euros (R$ 9.000) para o transporte até o garimpo mais próximo, a cerca de uma hora de barco, na amazônia francesa. Com algumas viagens, os jovens podem também comprar seu próprio barco (de 3.000 a 3.500 euros) e o motor (3.500 euros). “Agora os jovens não vão mais caçar. Querem comprar tudo: frango, porco e muita cerveja.”
O alcoolismo é uma realidade que também assombra as aldeias na Guiana Francesa, assim como o suicídio, em especial entre os mais jovens. Somente neste ano, três jovens se suicidaram nas aldeias do povo wajãpi na Guiana Francesa.
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