Ilha de Anjouan, com 360 mil habitantes, vira ‘paraíso’ de bets com imposto zero e facilidade de registro

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Vista aérea da cidade de Mutsamudu, a capital da ilha autônoma da Anjouan - Ibrahim Youssouf/AFP

Localizada no oceano Índico, entre Moçambique e Madagascar, a ilha de Anjouan levanta ao menos 43 milhões de euros (R$ 265 milhões) por ano licenciando plataformas de aposta online, de acordo com o site da autoridade local de jogos de azar.

O valor equivale a R$ 736 para cada um dos 360 mil habitantes da região administrativa e é proporcionalmente maior do que os cerca de R$ 3 bilhões que o Brasil deve arrecadar com licenças de apostas.

A ilha autônoma atraiu 421 empresas, que controlam cerca de 2.000 sites, com um processo de licenciamento online, barato e que, até o momento, vale em países em todo o mundo, com exceção de Estados Unidos, membros da União Europeia e habitantes do arquipélago de Comores, uma federação que governa o arquipélago onde está a ilha.

Esse número disparou em 2024, quanto atores do setor se adiantaram ao endurecimento das exigências regulatórias de Curaçao, a maior ilha entre as Antilhas Holandesas e outro polo de licenciamento de bets.

Quando a regulação aprovada pelo Congresso brasileiro no fim de 2023 passar a vigorar em 2025, a licença de Anjouan deixará de valer no Brasil. Mas, por enquanto, é usada por 17 das 219 bets autorizadas pela Fazenda a continuar funcionando em território nacional até o fim do ano, antes da entrada em vigor da regulamentação.

O governo da Anjouan, embora disponibilize um site moderno que permite que todo o processo de licenciamento de apostas seja feito em um prazo de duas a quatro semanas, mantém um portal oficial com design feito no antigo Word Art, com imagens em baixa resolução e uso da fonte comic sans.

Site de governo de Anjouan tem design feito no antigo Word Art, imagens em baixa resolução e uso da fonte comic sans. Fundo é amarelo e há GIFs
Site de governo de Anjouan tem design feito no antigo Word Art, imagens em baixa resolução e uso da fonte comic sans – Reprodução/anjouan.net

As bets, segundo empresários ouvidos pelo jornal Folha, procuram Anjouan pelo caráter genérico de sua licença, vendida por preços a partir de 17 mil euros (R$ 105 mil), que permite, ao mesmo tempo, oferecer apostas esportivas, jogos de habilidade, como poker, e os caça-níqueis online (jogo do tigrinho).

Como não há definição de quais jogos são acolhidos pelas regras de Anjouan, os sites de apostas permitidos pela Fazenda a atuar no país até o fim do ano que oferecem jogo do bicho estão licenciados na ilha. A versão online da loteria ilegal não está contemplada no mercado regulado brasileiro.

O país ainda não cobra taxas sobre a receita das bets nem impõe tributações locais. O Brasil, em comparação, recolherá 12% diretamente sobre a receita das plataformas. Essas empresas também estão sujeitas à tributação do lucro com IRPJ/CSLL e do faturamento com PIS/Cofins. Os municípios podem cobrar ISS. Assim, a carga tributária é estimada em 35%.

Outro diferencial desse paraíso das bets é não cobrar certificação dos jogos. Trata-se de um procedimento por meio do qual uma empresa autorizada e independente confere se o jogo é idôneo. É um trabalho complexo, sobretudo no caso dos jogos de slots, como o tigrinho, porque exige a auditoria do software gerador de números aleatórios, que define a premiação ou derrota do apostador.

Essencial para garantir que o jogador não seja lesado, a medida é cobrada em outros polos de licenciamento, como Curaçao e a ilha europeia de Malta, também populares entre as bets atuantes no Brasil. O processo nessas duas jurisdições é mais caro e complexo.

Anjouan também cobra um histórico criminal limpo apenas dos últimos três anos e cita um veto pouco objetivo a “pessoas com má reputação”. No Brasil, em Malta e em Curaçao, quem deixou de ser réu primário não pode ser sócio de sites de aposta.

O fundador da empresa de regularização de bets Octus, Rubio Teixeira, afirma que, além desses benefícios, “Anjouan oferece suporte regulatório de alto nível”, com atendimento rápido.

O governo do arquipélago de Comores, do qual Anjouan faz parte, cedeu, em 2023, o controle sobre a regulação das apostas online a uma empresa privada, a Anjouan Licensing Servics Inc.

A Autoridade Financeira de Offshores de Anjouan é a responsável por fiscalizar os riscos de crime financeiro. Apesar de Comores participar do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) desde 2019, a federação recebeu um alerta da rede internacional contra a lavagem de dinheiro por possíveis vulnerabilidades, pela morosidade em responder ao órgão e pela falta de dados.

Outro atributo citado como vantagem por pessoas do setor na regulação da ilha é a abertura a criptomoedas. Nas regras brasileiras contra crimes financeiros nas apostas, assim como nas de Curaçao e Malta, essa modalidade de pagamento é proibida.

A ilha ainda oferece renovação fácil, por 13,3 mil euros (R$ 81,1 mil), e, segundo Teixeira, da Octus, uma localização estratégica, entre a África e a Ásia. “É um ponto de interesse crucial para operadores que buscam expandir suas atividades.”

Como base de comparação, a outorga brasileira custa R$ 30 milhões e dura cinco anos. A legislação de Anjouan também não versa sobre propaganda abusiva e regras de jogo responsável.

Etapa Custo
Aplicação da licença 17 mil euros
Taxa por assistência de compliance e cadastro 1.700 euros
Adicional de complexidade De 250 euros a 500 euros
Inclusão de um fiador 2.000 euros
Domínio adicional 500 euros por cada
Taxa de renovação 13.300 euros

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