Lula critica austeridade fiscal e volta a defender ‘nova moeda’ em reunião do banco do Brics; economistas divergem e dizem que austeridade dá segurança à economia

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: 20/03/2023REUTERS/Adriano Machado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou na sexta-feira (4) medidas de austeridade e disse que elas não deram certo em nenhum lugar do mundo. Durante reunião do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como banco do Brics, o petista também voltou a defender “uma nova moeda de comércio” internacional, acenando a uma agenda de desdolarização que sofre forte resistência no Brics e já foi alvo de ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“O modelo da austeridade não deu certo em nenhum país do mundo. A chamada austeridade exigida pelas instituições financeiras levou os países a ficarem mais pobres. Toda vez que se fala de austeridade o pobre fica mais pobre e o rico fica mais rico. É isso que acontece no mundo de hoje e é isso que temos que mudar”, declarou.
Em seguida, Lula criticou a falta de liderança no cenário internacional, refletida na perda de influência da ONU, e disse que Israel pratica um genocídio na Faixa de Gaza.
“Essas lideranças políticas é que têm que tomar as decisões sobre as questões econômicas. Por isso que a discussão de vocês [representantes do banco] sobre uma nova moeda de comércio é extremamente importante. É complicado? Eu sei. Tem problemas políticos? Eu sei. Mas se a gente não encontrar uma nova fórmula, a gente vai terminar o século 21 igual a gente começou o século 20. E isso não será benéfico para a humanidade”, disse Lula.
A agenda de desdolarização no Brics entrou na mira de Trump, o que fez negociadores brasileiros adotarem o discurso de que não está em discussão a possibilidade de criação de nenhuma nova moeda no âmbito do grupo.
Ainda no ano passado, Trump exigiu que os países do Brics se comprometessem a não criar uma nova moeda ou apoiar outra divisa que substitua o dólar, sob pena de sofrerem tarifas de 100%.
No Brics, a agenda de incentivo ao uso de modelos de pagamento alternativos ao dólar tem forte apoio da Rússia e da ex-presidente Dilma Rousseff, que é a atual presidente do banco, o NDB.
Mas há setores no governo brasileiro que se opõem a essa agenda, além de outros países do Brics, como a Índia e os Emirados Árabes Unidos.
Apesar da insistência de Dilma e do governo da Rússia, o Brics deve evitar compromissos com sistemas de pagamento alternativos na declaração da cúpula do bloco.
Dilma abriu o evento no Rio nesta sexta. Em seu discurso, defendeu uma cooperação maior entre os países e disse que tarifas, sanções e restrições financeiras estão sendo usadas como “ferramentas de subordinação política”.
“O mundo de hoje não é o mesmo de 2015 [período inicial do NDB]. Está mais fragmentado, mais desigual e mais exposto a crises sobrepostas, climática, econômica e geopolítica. O multilateralismo está sob pressão”, afirmou Dilma.
Economistas divergem de Lula e dizem que austeridade fiscal dá segurança à economia
Economistas divergiram na sexta-feira (4) da fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou que o “modelo de austeridade não deu certo em nenhum país do mundo”. A declaração foi feita um dia antes, durante evento no Rio de Janeiro, em que Lula também defendeu uma nova política de financiamento sem exigências para concessão de crédito.
“Vocês podem e devem mostrar ao mundo que é possível criar um novo modelo de financiamento sem condicionalidades. O modelo da austeridade não deu certo em nenhum país do mundo”, disse Lula na ocasião.
Para Robson Gonçalves, economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a fala não se sustenta nem na teoria nem na prática.
“Não existe modelo de financiamento sem condicionalidade. Isso equivaleria a um credor emprestar sem nenhum critério, o que é incompatível com qualquer sistema financeiro viável”, afirmou. “Todo agente econômico — pessoa, empresa ou Estado — tem um limite de crédito. E esse limite está atrelado justamente à sua responsabilidade fiscal.”
Lula também associou políticas de austeridade ao aumento da desigualdade: “Toda vez que se faz austeridade, o pobre fica mais pobre e o rico mais rico. É isso que nós temos que mudar.”
Gonçalves rebate. “Essa afirmação é genérica. Países escandinavos, por exemplo, conseguiram reduzir desigualdades mantendo responsabilidade fiscal rigorosa. Não existe correlação direta entre austeridade e desigualdade social. Há outros fatores em jogo.”
Segundo ele, o discurso de Lula “parece remetido à lógica do início do século passado”. “Em 1925, teria sido uma fala progressista. Em 2025, está fora de contexto.”
Austeridade não exclui justiça social
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirmou que conceitos como “austeridade” e “expansionismo” precisam ser compreendidos dentro do contexto histórico de cada país.
Ele afirmou que a teoria do economista norte-americano John Maynard Keynes, consagrada na década de 1930, não se aplica à realidade atual. Keynes defendeu os gastos públicos para impulsionar a economia após o período da grande depressão.
“Keynes escreveu sobre a necessidade de estímulo em um cenário de depressão em 1929. Mas hoje o Brasil não está em recessão. Temos uma economia razoavelmente aquecida, com emprego em alta. Manter déficits sistemáticos em um cenário assim pode agravar a dívida pública”, disse Pestana.
Ele destacou que a missão da IFI é técnica e apartidária: “Nosso papel é oferecer alertas com base em projeções e dados confiáveis. E, hoje, os números mostram que o atual regime fiscal é insustentável no médio prazo.”
Contexto fiscal preocupa
A fala do presidente vem em meio a crescentes preocupações com as contas públicas. Em maio, o governo propôs ao Congresso adiar de 2025 para 2026 a meta de zerar o déficit fiscal. O gesto foi visto como um sinal de frouxidão na condução da política econômica, o que gerou ruídos com o mercado e pressionou o dólar e os juros.
Desde então, declarações de Lula contra o que ele chama de “austeridade” têm sido acompanhadas com atenção por economistas e investidores.
“Austeridade não significa cortes insensíveis. Significa ter disciplina, previsibilidade e segurança para o país e para quem investe nele. Sem isso, não há crescimento sustentável”, disse Robson Gonçalves.