Moraes soma apurações em que é o próprio afetado com abertura de novo inquérito; entenda

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Alexandre de Moraes. Foto: TSE

O inquérito aberto pelo ministro Alexandre de Moraes sobre o vazamento de mensagens trocadas entre seus auxiliares se soma a outras investigações conduzidas pelo ministro que tratam de assuntos relacionados a ele próprio.

Ao abrir esse inquérito, de ofício (sem provocação externa), Moraes relacionou o vazamento e a publicação das comunicações informais feitas entre seu gabinete no STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a uma organização criminosa que teria o objetivo de desestabilizar instituições, fechar a corte e conseguir “o retorno da ditadura”.

Procurado por meio da assessoria, Moraes não se manifestou.

A menção a um ataque às instituições tem servido como argumento para que o ministro acumule apurações sob o seu comando desde 2019, com o controverso inquérito das fake news e seus desdobramentos.

Quando foi aberto, o inquérito das fake news dizia que tinha como intenção “investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares”. Acabou servindo de motivação para diversas decisões do ministro.

Moraes agora associou o inquérito do vazamento ao das fake news. Assim, manteve-se como relator.

Esse novo processo foi aberto após o jornal Folha de S.Paulo revelar que o gabinete do ministro no Supremo ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pelo TSE para embasar decisões do próprio Moraes contra bolsonaristas no âmbito do Supremo. À época das mensagens, ele era o presidente do TSE.

Os assessores de Moraes, segundo as mensagens, sabiam do risco dessa informalidade. Um deles demonstrou em áudios essa preocupação.

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”

A defesa do ex-assessor do TSE Eduardo Tagliaferro chegou a pedir ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para que Alexandre de Moraes fosse afastado da relatoria da investigação.

Barroso negou o pedido na terça-feira (27/8), sob o argumento de que os advogados não deixaram claro por que o ministro teria interesse direto com a investigação. “Não são suficientes as alegações genéricas e subjetivas, destituídas de embasamento jurídico”, diz o ministro na decisão.

Em ocasiões anteriores, o ministro do STF abdicou de algumas investigações, sob o argumento de que não é suspeito ou impedido de decidir a respeito de seus andamentos.

O principal caso de que ele abriu mão —mas apenas de parte dele— é de maio deste ano, quando Moraes determinou à Polícia Federal que prendesse dois suspeitos de envolvimento em ameaças a eles e aos seus familiares.

Na ocasião, foram presos o fuzileiro naval Raul Fonseca de Oliveira, sargento atualmente lotado no Comando da Marinha, segundo o Portal Transparência do governo federal, e seu irmão Oliverino de Oliveira Júnior.

Em seguida, o ministro se declarou impedido de permanecer no caso em relação às ameaças contra sua família, mas prosseguiu com a relatoria relacionada à suspeita do crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito com emprego de violência ou grave ameaça.

Com isso, Moraes manteve à época a prisão preventiva dos dois suspeitos, apontando que há “fortes indícios de autoria”.

Moraes também se disse impedido de participar do julgamento colegiado de dois recursos no inquérito que investigou a conduta de brasileiros suspeitos de hostilizar sua família no aeroporto de Roma, no ano passado. O relator dessa ação é o ministro Dias Toffoli.

Em outras investigações nas quais foi questionado sobre a manutenção na relatoria dos casos, o ministro não viu impedimento ou suspeição e continuou atuando.

Parte desses casos trata de situações mais amplas, que envolvem ataques não só a ele, mas também a outros integrantes da corte. É o caso das investigações a respeito da tentativa de um golpe de Estado após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022.

A apuração levantou indícios de que, além de Moraes, outros ministros do Supremo também seriam alvos numa eventual tentativa de golpe.

Um exemplo é a minuta de decreto para executar o plano golpista, com a decretação de prisão de várias autoridades, como do próprio Moraes e do ministro Gilmar Mendes, também do STF, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A defesa do próprio Bolsonaro chegou a pedir o afastamento de Moraes da investigação ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Eles argumentaram que Moraes seria uma “vítima direta” das condutas investigadas e que tinha interesse no resultado do processo.

Barroso negou, sob o argumento de que os pedidos feitos eram genéricos, subjetivos e sem base jurídica. Ele afirmou que deveria ser demonstrado “de forma clara, objetiva e específica, o interesse direto no feito por parte do ministro alegadamente impedido”.

A manutenção de Moraes como relator do inquérito sobre as mensagens dos seus assessores levanta questionamentos de especialistas.

“Considerando que os fatos afetam diretamente o ministro, não é adequado que ele participe da apuração de nenhuma forma, muito menos na presidência da investigação de supostos acontecimentos no âmbito do seu próprio gabinete”, diz Aury Lopes Júnior, doutor em direito processual penal e professor da PUC-RS.

“A imparcialidade judicial é princípio supremo do processo penal, exigindo não apenas um estranhamento, um afastamento de quem julga, mas também uma ‘estética de imparcialidade’, que resta claramente comprometida nessa acumulação e confusão de papéis.”

O presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Renato Stanziola Vieira, afirma que “é muito complicado o ministro ser relator em inquérito instaurado por determinação dele para apurar situações a serem esclarecidas que ocorreram em seu próprio gabinete, seja do STF, seja do TSE”.

Vieira cita como um agravante o fato de o próprio ministro ter se posicionado publicamente, e em sessão do Plenário do STF, em defesa da regularidade dos procedimentos que deverão ter a legalidade apurada.

“Tudo o que se defende é isenção na apuração dos fatos que aconteceram nos dois gabinetes, e o relator da investigação desses fatos ser o ministro indicado como destinatário dos procedimentos que são questionados vai na contramão dessa almejada isenção”, completa.

Moraes e as mensagens

Entenda em 5 pontos o caso do ministro do STF

  1. O que ocorreu?

    O gabinete de Moraes no STF ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pelo TSE para embasar decisões do próprio ministro contra bolsonaristas no inquérito das fake news no Supremo em 2022. Tudo ocorreu de maneira informal.

  2. Assessores de Moraes sabiam do risco dessa informalidade?

    Sim. Um deles demonstrou em áudios essa preocupação: “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”

  3. Como deveriam atuar dentro do rito?

    De maneira geral, não solicitar relatórios e monitoramentos de maneira informal via WhatsApp, como ocorria, e sim por meio de ofícios formais entre o STF e o TSE.

  4. O que mais mostraram essas mensagens?

    Em vários casos os alvos eram escolhidos pelo ministro ou um assessor. Os relatórios eram ajustados quando não ficavam a contento e, em alguns episódios, feitos sob medida para embasar ação pré-determinada. Quando não encontravam indícios contra um alvo, um assessor orientava o outro: “Use a sua criatividade… rsrsrs.”

  5. Quais as consequências das mensagens?

    Especialistas divergem sobre a legalidade das ações, mas admitem que essa troca informações de maneira informal abre brecha para a solicitação de nulidade de provas, especialmente se os pedidos que aparecem no WhatsApp não tenham sido formalizados no processo. Os recursos, porém, seriam analisados pelo STF, corte cuja maioria já se manifestou em desagravo a Moraes.

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