Mulher que teve três filhos na prisão lamenta passado: ‘por causa do crack perdi a guarda das filhas’

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gravida encarcerada

Detentas da cela especial do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão, em João Pessoa — Foto: Dani Fechine/g1

Três, dos quatro filhos de Jéssica, nasceram dentro do presídio. Ela é muito sincera ao dizer que, em 28 anos de vida, não recorda como foram os Dias das Mães dos anos anteriores. Consumida pelo crack e preocupada apenas em manter o vício, o encontro, o afeto e a presença familiar não eram uma prioridade. Hoje, com a filha mais nova nos braços, de cinco meses, prepara o leite enquanto inicia o processo do desmame. Em um mês, o quarto filho de Jéssica ganhará liberdade e deixará o colo da mãe. É o prazo da lei.

A cela que Jéssica divide com Maria e Fabiana fica isolada do Pavilhão principal do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão, no bairro de Mangabeira, em João Pessoa. O local é exclusivo para mulheres grávidas e com bebês de até cinco meses.

Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro de 2018, de conceder prisão domiciliar a presas sem condenação que estejam gestantes ou que forem mães de filhos com até 12 anos, algumas condições não permitem o benefício. Jéssica, Maria e Fabiana são reincidentes dos crimes que cometeram, algumas por mais de duas vezes. Por isso, não tiveram o direito à prisão domiciliar.

Jéssica com a filha de cinco meses, no Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1
Jéssica com a filha de cinco meses, no Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1

Quando não se encaixam nos requisitos para cumprir prisão domiciliar, ficam reservadas em uma cela com a assistência necessária para a gestação e para os primeiros meses de vida do filho.

Jéssica foi presa por roubo e furto sem saber que estava grávida. Quando chegou ao presídio, passou pelos exames necessários e a gravidez foi revelada. As outras duas filhas estão em um abrigo. Perdeu as guardas para o crack. O quarto filho mora com a mãe dela. Mas Jéssica não recebe visitas de nenhum e é assim que prefere.

A rotina, por mais romântico que isso possa parecer, é melhor do que a da rua. Após cometer um crime, cumpre-se a pena. Estar presa já é a sua consequência. Manter-se nesse ambiente com dignidade é, por sua vez, um direito. A bebê acorda duas ou três vezes pela madrugada. Mas tem comida, fralda, roupas novas e um ambiente confortável para viver. Cercado de grades, é verdade, mas já possui mais conforto do que a liberdade poderia lhe proporcionar lá fora.

Jéssica é da cidade de Cabedelo, na Grande João Pessoa. A casa onde morava cabia apenas uma cama, uma cômoda, geladeira e fogão. Na cela onde mora há berços, camas, ursinhos, poltronas para amamentação, ambiente lúdico, tapetes, cortinas, enfeites para o quarto e uma grade colocando tudo isso dentro de três cômodos.

Sala de amamentação do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1
Sala de amamentação do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1

“Meus filhos nunca tiveram um quarto. Preferia ter filho aqui do que na rua, não vou mentir. Aqui fiz todos os exames, ultrassom e temos todas as assistências, desde psicológica a médica. A que tive na rua só fiz um exame. Meu dinheiro era só para droga. Vendi tudo em casa. Sou prova viva do crack. Vendi botijão, vendi panela para o ferro velho. Quando eu ia fumar, passava meses acordada fumando, não comia. Por causa do crack perdi a guarda das minhas duas filhas”, declara Jéssica.

Neste Dia das Mães, a saudade maior é das filhas e da mãe. Queria apenas cinco minutos com elas para esquentar o coração. Mas mesmo assim, prefere que não passem o domingo no presídio. “Mas não quero mais praticar crime, vou lutar para tirar minhas filhas do abrigo”, ressalta.

Quarto da cela especial do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão para grávidas e mães tem três berços e quatro camas — Foto: Dani Fechine/g1
Quarto da cela especial do Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão para grávidas e mães tem três berços e quatro camas — Foto: Dani Fechine/g1

Companheiras de cela e de cuidados

 

Fabiana e Maria também estão na mesma cela que Jéssica. Fabiana está com quase oito meses de gravidez, mas também não sabia da gestação quando chegou na prisão. Passou um tempo presa no Pavilhão principal e, após confirmar a gravidez, foi para a cela especial. Ela também está presa por roubo e furto.

Fabiana está grávida de quase oito meses no Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1
Fabiana está grávida de quase oito meses no Centro de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão — Foto: Dani Fechine/g1

Grávida de uma menina, Fabiana tem mais dois filhos que estão a mãe dela. Viveu na rua com o vício do crack, roubou, furtou e já esteve na prisão outras duas vezes. Reincidente, não consegue mais o benefício da prisão domiciliar.

Perdeu o pai quando foi presa pela segunda vez. Essa é mais uma saudade na vida de Fabiana. Ele faleceu um dia após a visita no presídio. Revoltada, cortou os pulsos. Mas hoje, guarda a lembrança. Os filhos, vê por videoconferência. O Dia das Mães de 2022 vai ser pela metade: só ela e Ester, ainda na barriga.

Maria escreve a história dos primeiros dias de vida do filho dentro da prisão. Com apenas um mês, chegou na prisão com poucos dias de vida. “Sinto falta da família, dos filhos, de poder ir e vir”, lamenta.

Maria tem um bebê de um mês de vida no Presídio Feminino de João Pessoa — Foto: Dani Fechine/g1
Maria tem um bebê de um mês de vida no Presídio Feminino de João Pessoa — Foto: Dani Fechine/g1

Maria confessa que queria um Dia das Mães diferente. Ou igual aos anteriores: ao lado da mãe e dos filhos. No ano passado, ela, as três irmãs e a mãe foram até um estúdio de fotografia fazer fotos em família. Eternizar um momento que, tempos depois, já não seria mais possível.

Neste domingo, o que elas podem fazer é relembrar os momentos que ainda foram possíveis comemorar. Com pelo menos um dos filhos por perto, vão poder compartilhar o amor entre si.

Além disso, convivem com o pensamento de que, em breve, todas deverão se separar da criança, em cumprimento da lei. “É uma dor inexplicável, você passa nove meses gerando a criança, você vê ela crescer e depois ter que se separar, é um sentimento sem explicação”.

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