Nordeste da Síria vive sob fogo cruzado, entre interesses de Ancara, Damasco e do grupo Estado Islâmico

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Em uma estrada perto de Qamichli, na Síria, um carro carbonizado após ser atingido por um projétil de um drone na quarta-feira (11) — Foto: Julien Boileau / RFI

Por Murielle Paradon e Julien Boileau, RFI

O nordeste da Síria, sob administração curda, segue sob bombardeio turco desde o final de novembro. A operação foi lançada pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, após um ataque em Istambul atribuído aos curdos, que negam qualquer tipo de ação. Mas que outros interesses movem essa zona de conflito?

Os ataques turcos ao norte da Síria são menos intensos se comparados aos do mês passado, mas ainda há bombardeios esporádicos. Na quarta-feira (11), por exemplo, em uma estrada movimentada entre as cidades de Qamichli e Hassake, um carro foi alvo de um drone turco, de acordo com testemunhas. O incidente deixou dois feridos, um em estado grave, enquanto a carroceria fumegante do veículo interrompia o tráfego.

“Eu estava trabalhando na minha fazenda quando ouvi o barulho de um míssil. Depois a explosão. Fui olhar e vi um carro em chamas na estrada”, descreve uma das testemunhas.

“As pessoas se reuniram e fomos ajudar a levar as vítimas ao hospital. Um homem ficou gravemente ferido, acho que sua perna quase foi decepada. A esposa dele está bem, ela conseguiu nos ajudar a carrega-lo”, relata o morador.

Perto da linha de frente entre os turcos e as forças curdas que governam esta região do nordeste da Síria, é possível visitar uma cidade semidestruída, onde boa parte da infraestrutura civil foi afetada. Alguns moradores fugiram para uma escola, situada a quilômetros de distância, ao ouvirem um bombardeio a distância.

As famílias refugiadas estão traumatizadas, desamparadas. Elas reclamam de não receberem nenhuma ajuda, mesmo em pleno inverno. Algumas famílias já estão no local há muitos meses, porque as operações turcas são recorrentes na região.

Por motivos de segurança

Um ataque em 13 de novembro em Istambul, que matou seis pessoas e foi atribuído aos curdos, teria sido o estopim da operação militar da Turquia no norte da Síria. Mesmo se os representantes curdos negaram qualquer envolvimento no episódio, o incidente é apresentado como principal motivação por Ancara para justificar a ação.

Mas há também razões políticas. Em plena campanha eleitoral, o presidente Erdogan se esforça para aumentar sua popularidade junto aos nacionalistas. De acordo com líderes políticos e militares entrevistados pela RFI, “se livrar dos inimigos curdos” no nordeste da Síria, para realocar refugiados sírios que são muito numerosos em território turco, quase 4 milhões, pode ser um argumento de grande apelo para a operação.

Para isso, Erdogan já lançou por diversas vezes a ameaça de uma ofensiva terrestre, o que ainda não aconteceu. Enquanto isso, outra questão parece ganhar mais relevância – ou preocupação – neste cenário já bastante conflituoso: uma possível reaproximação entre a Turquia e o regime sírio de Bashar al-Assad. Conversas com representantes de alto nível ocorreram recentemente entre estas duas partes, que têm em comum relações antagônicas com os curdos.

“Nosso projeto democrático desagrada a esses ditadores”, insistem líderes curdos entrevistados pela RFI.

Estado Islâmico

Vale lembrar ainda que Bashar al-Assad também gostaria, em última análise, de recuperar esta região do nordeste do país sob administração autônoma curda e que lhe escapa neste momento.

Se a aliança entre os turcos e o regime sírio se concretizar, os curdos afirmam que voltariam a ser perseguidos, o que poderia criar novos fluxos migratórios, principalmente em direção à Europa.

Além disso, os bombardeios turcos desviam as forças curdas de sua luta contra o grupo Estado Islâmico. Nas últimas semanas, ataques jihadistas se multiplicaram no nordeste da Síria. Os curdos, por sua vez, alertam os ocidentais: “é preciso pressionar a Turquia, devemos nos apoiar, caso contrário, todos pagarão pelas consequências”.

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