Os sinais de ‘outras dimensões’ no material expelido pelos buracos negros

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Buraco negro. Foto: NASA

Por Maria Jose Rodriguez *

Desvendar as propriedades e o comportamento do universo nos buracos negros, onde o espaço-tempo se curva abruptamente, oferece desafios insólitos.

Estamos diante dos aspectos quânticos da gravidade. Neles, procuramos sinais de outras dimensões, além das quatro que já conhecemos.

Por que acreditamos que elas possam existir?

A gravidade é uma força muito familiar, mas ela não se enquadra nas fórmulas clássicas da física conhecida. Não conseguimos explicar por que ela é muito mais fraca que as outras forças fundamentais.

Explicar essa singularidade – a fraqueza da gravidade – foi o que nos levou a procurar esses sinais que confirmem a existências de outras dimensões. Essas dimensões adicionais podem estar afetando a gravidade e ser o motivo da sua fraqueza.

Por isso, os jatos de matéria expelidos pelos buracos negros podem ser a chave para encontrar sinais da existência dessas outras dimensões.

Se encontrarmos evidências de dimensões exóticas do espaço-tempo além daquelas quatro que percebemos (três espaciais e uma temporal), poderemos caracterizar a gravitação, compreendê-la e resolver alguns dos mistérios mais profundos da ciência – entre eles, a expansão do universo.

Fluxo de matéria saindo de um disco de acreção em direção a um buraco negro
Fluxo de matéria saindo de um disco de acreção em direção a um buraco negro

Dimensões muito grandes ou muito pequenas

Se existirem outras dimensões, elas não devem causar efeito sobre o nosso dia a dia. Mas existem teorias em que as dimensões adicionais do espaço-tempo são necessárias para unificar a física como a conhecemos.

A teoria das cordas defende a existência de pelo menos 10 dimensões. Ela considera as três dimensões espaciais conhecidas, o tempo e outras seis que, segundo se supõe, formam um espaço muito pequeno ou muito grande.

Essas dimensões adicionais podem ser tão pequenas (abaixo da escala de Planck, quase a 10-35 metros) que são imperceptíveis, mesmo com a precisão atingida pelos experimentos atuais mais avançados, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês). Ou elas podem ser muito grandes, de forma que não teríamos acesso por estarmos restritos a viver em uma folha quadridimensional dentro desse universo de dimensões adicionais.

É neste último cenário que desenvolvemos um modelo para procurar os efeitos das dimensões adicionais nos jatos emitidos pelos buracos negros.

Os jatos expelidos pelos buracos negros

Um enorme número de buracos negros no universo emite feixes de matéria relativa, conhecidos como jatos.

A precisão com que os telescópios vêm registrando dados sobre jatos de buracos negros nos últimos dois anos é assombrosa – por exemplo, o telescópio espacial James Webb, o Telescópio do Horizonte de Eventos e o Observatório Espacial Europeu.

Com esses dados obtidos, em uma nova teoria proposta pendente de publicação, analisamos a possibilidade dos efeitos das dimensões adicionais sobre esses jatos de matéria.

Como esperamos que a gravidade ocupe todas as dimensões existentes, seus efeitos poderiam ser observados nos jatos. Com isso, os feixes dos buracos negros tornam-se canais especialmente promissores para sua detecção.

Seriam estes modelos a chave para desmentir ou confirmar a existência de dimensões adicionais do espaço-tempo?

Direção giratória detectada pelas ondas de rádio emitidas pelo poderoso campo magnético que rodeia o buraco negro supermassivo no centro da galáxia elíptica M87
Direção giratória detectada pelas ondas de rádio emitidas pelo poderoso campo magnético que rodeia o buraco negro supermassivo no centro da galáxia elíptica M87

Os rastros de outras dimensões

Para poder determinar os efeitos das dimensões do espaço-tempo em feixes de buracos negros, primeiramente devemos elaborar as soluções desses modelos. Para isso, criamos o primeiro modelo para verificar como a possível existência de dimensões adicionais afetaria os feixes de buracos negros que observamos atualmente.

Se existirem, essas dimensões adicionais afetariam a rotação do buraco negro? Reduziriam sua eficácia para emitir feixes de energia?

Jato emitido pela galáxia elíptica M87
Jato emitido pela galáxia elíptica M87

Aplicando o modelo, encontramos dois efeitos distintos.

Com respeito à rotação do buraco negro, encontramos a mesma dependência que em quatro dimensões e menor eficácia do fluxo energético. Isso significa que, à medida que os feixes de energia emitidos pelos buracos negros giratórios propagam-se pelas cinco dimensões espaço-temporais do novo modelo, sua potência continua tendo a mesma dependência do parâmetro de rotação do buraco negro em quatro dimensões.

Por isso, este aspecto um tanto inesperado das soluções não permite diferenciar entre quatro e cinco dimensões. Ele não serve para demonstrar a existência de dimensões adicionais.

Mas o segundo efeito é mais promissor. Se considerarmos a existência de outras dimensões, ocorre redução da eficácia do buraco negro para emitir feixes de energia.

Para responder à pergunta, é preciso acrescentar uma dificuldade adicional. Os jatos como conhecemos atualmente possuem eficácia maior que a esperada segundo os modelos clássicos de quatro dimensões.

Isso pareceria indicar que os modelos com mais dimensões deveriam ser desconsiderados. Mas ainda existem muitos parâmetros a serem analisados. Nos próximos anos, os novos telescópios que estão agora coletando dados fornecerão maior precisão para caracterizar a região de emissão de massa dos buracos negros.

Esperamos poder então realmente comparar os modelos teóricos de dimensões espaço-temporais que foram criados.

Einstein demonstrou a existência dos buracos negros com fórmulas matemáticas. Eram apenas soluções fictícias escritas no papel. Décadas depois, conseguimos comprovar sua existência e até fotografá-los.

Da mesma forma, os modelos teóricos de vários tipos servirão para demonstrar a existência ou inexistência de outras dimensões. E, talvez um dia, possamos encontrar a primeira porta para outra dimensão no jato de um buraco negro.

* María José Rodríguez é pesquisadora do Instituto de Física Teórica do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons.

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