Por que ‘inflação da picanha’ preocupa cada vez mais brasileiros (e Lula)

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carne bovina açougue

No mês passado, carne teve o maior aumento para o mês de outubro dos últimos quatro anos

Por BBC

Na barraca de carne em uma feira na Zona Oeste de São Paulo, a vendedora Rose Tragl, de 47 anos, conta que está com medo de espantar a freguesia se repassar para os clientes todo o aumento de preços do seu fornecedor nos últimos tempos.

“Aquele filé de costela era para custar R$ 79,90 o quilo, mas mantivemos em R$ 69,90 para não perder o cliente”, diz a feirante.

“Nosso lucro fica menor, mas, ao menos, a gente mantém a clientela.”

O preço da carne subiu 7,54%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado na terça-feira (26/11) pelo IBGE. O levantamento foi realizado entre 12 de outubro e 12 de novembro.

No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação atingiu o patamar de 4,77%, puxada pelo aumento nos alimentos e nas tarifas de energia elétrica.

Isso exige, na prática, um ajuste na mesa dos brasileiros no dia a dia e, especialmente, nas festas de fim de ano que estão chegando.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o preço dos alimentos vem subindo por três fatores principais: o clima, a economia brasileira aquecida e a valorização do dólar.

Os analistas apontam ainda que a expectativa para os próximos meses é que os alimentos continuem a encarecer.

Isso preocupa não só o cidadão comum, especialmente os mais pobres, que sentem o maior impacto no bolso.

Mas também acende um alerta para o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltou ao Planalto prometendo que a economia ia melhorar e que o brasileiro ia “voltar a comer picanha”.

Agora, a “inflação da picanha” que os brasileiros sentem na pele pode ter reflexos diretos na popularidade do seu governo — e nas ambições políticas do presidente e do PT daqui a dois anos.

Por que os alimentos estão mais caros?

André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), explica que duas razões principais puxaram o preço dos alimentos para cima: fatores climáticos e a valorização do dólar.

“As secas deste ano atingiram algumas safras agrícolas e a pecuária, aumentando os custos de produção”, explica Braz.

Com o clima mais seco e os incêndios ocorridos na Amazônia, Pantanal e Cerrado, a área de pastagem foi reduzida, e a produção de insumos usados na criação do gado, como a soja, também.

“Isso afetou diretamente no custo da produção de carne”, pontua o economista.

O preço da carne também foi impactado por um aumento da demanda em duas frentes ao mesmo tempo: interna e externa.

No mercado internacional, a valorização do dólar deixou o preço da carne brasileira mais atraente.

“Entre janeiro e outubro deste ano houve um aumento de 30% na exportação de carne em relação ao mesmo período do ano passado”, explica Thiago Bernardino de Carvalho, coordenador da área de pecuária no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP.

No mercado interno, o brasileiro está comprando mais carne, porque a economia está aquecida, o que faz o consumo aumentar.

Isso tem um efeito importante no preço da carne, porque é o mercado interno que tem o maior peso no setor.

“Da produção de carne brasileira, 75% ainda é para o consumo interno”, explica Carvalho.

A foto mostra uma mulher e um homem, ambos de camiseta escura e um avental branco, atrás de um balcão.
Os feirantes Rose Tragl e Sergio Silva dizem que reduziram a margem de lucro para não perder os clientes

Quando a carne fica mais cara, isso tem um impacto direto não só na inflação dos alimentos, mas no índice em geral.

Isso porque, dependendo da região do país, a cesta básica contém de 4,5 kg a 6,6 kg de carne.

Portanto, quando o preço da carne sobe, isso puxa o valor da cesta para cima também.

“Por isso, ela é a grande vilã do aumento dos preços de outubro”, explica André Braz, da FGV.

Mas esse não é o único item que tem pesado no bolso dos brasileiros.

“Observamos aumento de vários produtos ao mesmo tempo”, afirma Patrícia Lino Costa, supervisora da área de preços do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

“Na carne, leite, tomate, pão francês, café, óleo de soja e manteiga”, lista ela.

De fato, entre os maiores aumentos no último mês estão a laranja-lima (25%), o óleo de soja (8,38%) e o tomate (8,15%). O café subiu 2,79%, e o leite, 0,60%.

Além dos problemas já apontados por Braz, Costa acrescenta que há também questões específicas que puxam para cima o preço de alguns alimentos, como, por exemplo, o café.

“O Vietnã teve problema com a colheita do café, e a demanda internacional voltou para o Brasil, enquanto o clima não ajudou”, diz Lino.

“E o café é um produto que tem muita especulação. Já há alguns meses o café vem subindo muito por causa disso.”

Inflação maior para os mais pobres

O impacto desse aumento nos preços dos alimentos é sentido de forma diferente conforme a faixa de renda.

Nos cálculos do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea), para as pessoas de renda mais baixa, cuja renda familiar é de até R$ 2.105,99, a inflação em outubro ficou em 4,99%, ao passo que para os mais ricos, que têm uma renda de mais de R$ 21.059,92, o índice ficou em 4,44%.

Maria Andreia Lameiras, técnica do Ipea, explica que isso ocorre porque a renda de uma família afeta seu perfil de consumo e o peso que cada item tem no orçamento da casa.

As famílias mais pobres gastam sua renda basicamente com alimentos, despesas de habitação (como as tarifas de água, luz e gás), e com transporte público, explica Lameiras.

Ou seja, sempre que há um aumento forte no preço dos alimentos ou da luz, isso afeta mais as famílias mais pobres.

“A inflação dos mais pobres hoje está maior porque o ano de 2024, assim como 2023, foi um ano de alta de preço de alimento”, diz a técnica do Ipea.

Enquanto isso, a parcela do orçamento que os mais ricos gastam com alimentos e energia é muito menor do que a dos mais pobres.

O que afeta mais o bolso dos mais ricos são aumentos nos preços dos serviços, incluindo mensalidade escolar e plano de saúde, despesas pessoais, como empregada doméstica, alimentação fora de domicílio, passagem aérea, hotel e cabeleireiro.

O que esperar para 2025?

Até o fim do ano, dizem os especialistas, não há espaço para redução dos preços da carne.

“Nessa época do ano, existe uma demanda sazonal. O consumo da carne aumenta muito, não só a bovina, mas o de aves também”, afirma André Braz, da FGV.

“Essa pressão inflacionária vai persistir pelos próximos meses.”

No entanto, é possível haver uma desaceleração e até mesmo uma queda nos preços no primeiro trimestre do próximo ano.

“Até dezembro, não tem espaço para o preço da carne cair. Mas janeiro é um período tradicional de ressaca de todos os produtos, quando há uma oferta maior e isso pode pressionar os preços para baixo”, diz Thiago Carvalho.

“Mas, pensando a médio e longo prazo, os preços deverão permanecer elevados.”

Isso porque, apesar de não haver El Niño ou La Niña em 2025, como houve em 2024, o que impactou o preço dos alimentos, as mudanças climáticas deverão seguir impactando a agricultura e a pecuária.

“Os fenômenos climáticos que se tornaram mais frequentes no Brasil e no mundo contribuem para que a inflação fique mais volátil”, afirma André Braz.

Diante da aceleração dos preços conferida no mês passado, analistas do mercado revisaram, pela sétima vez consecutiva, as projeções para a inflação de 2024, prevendo que o ano se encerre com um aumento de 4,64%.

Essa previsão é feita por meio de uma pesquisa realizada com mais de 100 instituições financeiras pelo Banco Central e constam no último boletim Focus divulgado em 18 de novembro.

Se a projeção for confirmada em janeiro do ano que vem, quando o IBGE divulga o acumulado do ano, significará um furo na meta de inflação prevista Conselho Monetário Internacional, de 3%, com uma margem de 1,5% para cima ou para baixo.

Caso o Banco Central não cumpra a meta, o presidente da instituição — que, a partir de janeiro, será Gabriel Galípolo – deverá entregar uma carta explicando as razões para o descumprimento ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

Impactos para o governo Lula

Do ponto de vista político, o cenário também deve permanecer pesado para o bolso. E, se ao vencer a eleição, Lula prometeu “churrasco de picanha e cerveja”, talvez agora, essa promessa esteja um tanto distante do brasileiro.

Embora a picanha não seja o corte que registrou a maior subida nos preços (3,6%), se comparada ao acém (10%), ao lagarto (8,5%), ou ao patinho (8,6%), todos os cortes de carne bovina estão em elevação de preços.

De acordo com Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, as projeções para o próximo ano são de manutenção do câmbio em patamares elevados, fruto dos sinais que Donald Trump, presidente-eleito dos Estados Unidos, vem dando sobre sua futura gestão.

“A administração Trump pode ser bem agressiva do ponto de vista de mudança de política econômica”, diz Cortez.

“Ele vem dando sinais de que vai deportar imigrantes, o que representa uma redução na mão de obra, e de que irá implementar políticas protecionistas, o que implica na taxa de juros.”

Essas políticas, se de fato forem implementadas, levarão à valorização do dólar, algo que se reflete no preço dos alimentos no Brasil.

“O Brasil fica mais exposto a esse mundo pós-Trump, e podemos ter uma taxa de juros mais alta do que se esperava”, diz Cortez.

“O que pode até colocar em xeque a reeleição do Lula.”

Se seguir na mesma toada em dezembro, a gestão do petista entrará na segunda metade do mandato com desemprego baixo (6,4%), o que também se reflete nos preços mais altos.

“Com a redução do desemprego, a massa salarial está crescendo, aumentando o consumo”, explica Braz.

Ao mesmo tempo, dados do Dieese mostram que o poder de compra do salário mínimo aumentou quase 12% no ano passado em relação a 2022, representando uma recuperação depois de cinco anos seguidos de queda.

O consumo aquecido de um lado e uma inflação crescente do outro pressionam o governo Lula.

Sua popularidade, no entanto, segue estável: em dezembro do ano passado, a gestão petista era considerada boa ou ótima por 38% da população, enquanto 30% achavam ruim ou péssima, e, outros 30%, regular.

Já em outubro deste ano, os índices oscilaram para 36%, 32% e 29%, de acordo com levantamento do Datafolha.

No entanto, ainda não se sabe o impacto que o ajuste fiscal, ainda a ser anunciado, terá na popularidade do presidente.

“O governo Lula está sinalizando fazer uma agenda contrária ao ciclo eleitoral. Ele gastou mais no início do mandato e vai acabar apertando os gastos à medida que a eleição vai chegando”, afirma Cortez.

“A economia poderia ser um antídoto para a polarização e a agenda conservadora, mas se a economia não estiver bem, isso não será uma arma tão potente.”

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