Portugal estará “sob lupa da Otan” durante visita de Lula, dizem especialistas

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o premiê de Portugal, António Costa, em Lisboa. Foto: Reuters

Mesmo após as polêmicas falas sobre a guerra na Ucrânia, “não dá para desconvidar Luiz Inácio Lula da Silva (PT)” da visita a Portugal, afirmou a especialista em Relações Internacionais Diana Soller.

Segundo ela, as declarações do presidente brasileiro sobre a guerra na Ucrânia são um caso “muito complicado para Portugal”. Lula deve embarcar neste sábado (22) em Lisboa.

Se de um lado está um aliado histórico e de grande peso econômico de Portugal— o Brasil —, do outro está toda a base da política externa portuguesa, que apoia a Ucrânia tanto diplomaticamente como no envio de material bélico.

As declarações de Lula ocorreram num momento em que se prepara para ir ao parlamento português, que aplaudiu de pé Zelensky, e podem fragilizar Portugal na maneira como a União Europeia (UE) se posiciona perante a guerra.

O general português Isidro de Morais Pereira vê como quase inevitável que isso aconteça: “Portugal, que tem uma pedra no sapato, pode passar a ter um pedregulho caso as declarações [de Lula] não sejam devidamente controladas”.

Diana Soller lembra que “grandes avanços ‘antiucranianos’ aconteceram nos últimos dias e o presidente brasileiro já estava convidado para vir a Portugal antes”.

A especialista indica que se trata de “timing complicado” este o de Lula — que considera que “os Estados Unidos devem parar de encorajar a guerra”, que “a União Europeia deve começar a falar de paz” e que Zelensky deve estar preparado para ceder território que a Rússia queira.

A assertividade de Lula não é tão grande quando se refere ao lado russo, especialmente a Vladimir Putin.

“Portugal tem de receber um chefe de Estado que se posiciona do lado oposto” no que à visão da guerra diz respeito, sublinha Diana Soller. Por outro, as mais recentes declarações de Lula em relação à Europa têm sido “muito negativas”.

“Um chefe de Estado não pode dizer o que quer e esperar que isso não tenha consequências”, diz a especialista

Já a comentarista da CNN Portugal Helena Ferro Gouveia lembra que Portugal e Brasil têm relações especiais em diferentes âmbitos: ligação histórica, existência de comunidade portuguesa, ligação econômica e importância geoestratégica.

Uma relação que é “vital para Portugal”, pelo que esta visita teria sempre um cariz diferente de qualquer outra.

“Retirar o convite seria uma grande deselegância e ia criar mais celeuma e avivar ainda mais a situação. Devia ter havido no momento do convite alguma ponderação”, afirma, frisando que “desconvidar um presidente seria impossível.”

A comentarista da CNN Portugal Sónia Sénica também não esquece o “legado histórico entre os dois países”, que deve continuar a ser gerido com “bastante cautela”, ressalvando-se um denominador comum: a paz, mesmo que não alcançada pelas mesmas vias, naquele que é um posicionamento “mais de pacificador do que mediador”.

“Nós estamos tentando construir um grupo de países que não tenham nenhum envolvimento com a guerra, que não querem a guerra e que desejam a paz no mundo – para conversar tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia”, disse Lula.

Ainda assim, e apesar do problema que todo o caso pode causar a Portugal, Diana Soller vê como legítima uma estratégia de Lula da Silva para “revitalizar o Brasil no sistema internacional”, mesmo que isso seja feito numa dimensão económica em que há maior dependência das relações com a Rússia e com a China.

De resto, Lula, que recentemente esteve na China, parece dirigir uma clara aposta na expansão da influência dos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Sob a lupa da Otan

A visita de Lula lembra que Portugal, que defende o lado ucraniano, vai receber um país que tem outra visão. Especialistas portugueses ouvidos pela CNN lembram que o que está acontecendo na Ucrânia foi unilateralmente provocado pela Rússia numa guerra “ilegal”.

Lula não pensa assim: “O presidente Putin não toma a iniciativa de parar. Zelensky não toma a iniciativa de parar a guerra”, disse, sugerindo mesmo que a Ucrânia ceda parte do seu território para que se chegue à paz, algo que Kiev já disse que nunca fará.

Para o general Isidro de Morais Pereira, os aliados da Otan vão olhar para esta visita com muita atenção.

“Vamos estar sob a lupa” da Otan, afirma o comentarista da CNN Portugal, que prevê uma reação ocidental semelhante ao que tem acontecido com várias posições da Hungria, que, apesar de pertencer à Otan, tem estado relutante em condenar de forma clara a invasão russa, agindo sobretudo em interesse próprio, no que toca à questão energética.

“Os aliados da Otan vão olhar para este momento e se perguntar sobre a oportunidade desta visita”, acrescenta Isidro de Morais Pereira.

Helena Ferro Gouveia concorda e destaca mesmo que “os pilares da política externa portuguesa são a Otan e a União Europeia”, ambas organizações com “uma posição muito clara em relação à guerra”, posição essa que “conflitua com o que tem sido defendido por Lula”.

“A questão não é a paz, mas as condições para se negociar essa paz e o que vai ser exigido. O fato de Lula estar fazendo equiparações entre agressor e agredido são declarações nada felizes”, acrescenta, vendo aí uma “narrativa pró-russa muito presente em países com um certo antiamericanismo”.

Menos assertivo é o major-general português Agostinho Costa, que garante que Lula não toma uma posição ideológica, mas antes uma posição de interesse nacional.

O especialista militar diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) faria igual, “só não teve tempo para isso”, acrescentando que o plano de paz apresentado pelo Brasil só compromete o Brasil, pelo que Portugal nunca poderá sair beliscado aos olhos das organizações internacionais.

“Se quem apresenta uma proposta de paz incomoda o Governo, então não percebo em que registro estamos”, reitera Agostinho Costa, admitindo até que a posição de Lula pode ser mais realista que a defendida pelo Ocidente, que continua em busca de uma “derrota estratégica da Rússia”.

“A Otan é uma extensão da política externa dos Estados Unidos. É uma instituição importante, mas é, fundamentalmente, um instrumento de defesa norte-americana”, salientou.

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