“Só não matei a Marlene Mattos por causa do Código Penal”, diz ex-produtora de Xuxa
Chega a ser irônico, se não fosse trágico, o trauma que um prosaico pãozinho francês pode causar em algumas pessoas. Principalmente se elas passaram anos cantando e dançando, sorridentes em suas botinhas brancas e em rede nacional: “É tão bom! Bom, bom, bom! Quem quer pão? Pão, pão, pão! Bom estar contigo na televisão…”
Pois as paquitas, ex-assistentes de palco de Xuxa Meneghel, dizem que consumir este tipo de carboidrato era terminantemente proibido e vilanizado por Marlene Mattos, a ponto de mexer com a saúde mental delas. Tudo para que não engordassem, o maior temor da então diretora do “Xou da Xuxa”.
Críticas à forma como as meninas eram tratadas já não são novidade para quem assistiu à série sobre a apresentadora. Mas o caldo engrossa de vez agora, no documental “Pra Sempre Paquitas”, do Globoplay. Lançada no Rio na terça (10), com a presença da apresentadora, a produção exibe depoimentos contundentes da maioria das paquitas e de integrantes da equipe do programa sobre Marlene.
“Só não matei a Marlene Mattos por causa do Código Penal”, afirma, convicta, a produtora Rita Maldonado logo no início do primeiro episódio da série (são cinco no total). “Ela era um sargento e tratava as pessoas com muita rigidez”, continua Rita, abrindo a porteira para que as paquitas comecem a lembrar de momentos que ficaram marcados nas suas memórias —de forma negativa. Bem negativa.
“Sofri demais. Ela me chamava de ‘gorda’ e me ameaçava com demissão caso eu engordasse. Passei a adolescência ouvindo ‘Tati, você precisa se amar mais. Era duro”, diz Tatiana Maranhão, assessora de imprensa de Xuxa e uma das idealizadoras do projeto.
Outra que afirma ter sofrido com a obsessão de Marlene pelos padrões de beleza é Ana Paula Guimarães, a ex-paquita Catuxa, também produtora da série. Ela conta que chegou a sofrer de transtornos alimentares na adolescência, como a bulimia, por conta da pressão de Marlene. “Todas nós éramos muito cobradas e vigiadas para não engordar”. O pão é lembrado por algumas delas como o alimento proibido, aquele que elas só podiam comer escondido. Altos gatilhos.
Já Stephanie Lourenço, atriz e também ex-paquita, lembra que com ela o problema foi outro. Stephanie precisou reprimir sua orientação sexual por anos a fio para se enquadrar aos padrões do programa. “Eu já tinha uns 14 anos e me exigiam uma certa postura com a qual eu não me identificava mais. Queriam mais feminilidade e isso me atrapalhou muito na hora de me posicionar como bissexual.”
Ciúmes, mágoas e picunhas entre as paquitas também foram revelados na produção. Xuxa até sabia de algumas situações. Outras, nem tanto: “Me surpreendi. Descobri histórias impactantes, que não imaginava. Não via mesmo. Espero que o público se coloque no lugar dessas meninas, adolescentes, mulheres, mães, profissionais que se abriram para poder mostrar o que foi ser uma paquita”.
“Pra Sempre Paquitas” tem direção de Ivo Filho e roteiro de Paulo Mario Martins e estará disponível no streaming a partir da próxima segunda-feira (16). O portal entrou em contato com Marlene Mattos e não obteve resposta.