As jovens que escreveram carta com sangue e condenaram pai à prisão perpétua

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O advogado Sanjay Sharma e Latika Bansal, a filha mais velha da vítima — Foto: SANJAY SHARMA/ BBC

Seis anos depois que uma adolescente da Índia escreveu uma carta com seu próprio sangue pedindo justiça para sua mãe que foi queimada viva, o assassino foi punido.

Com base nos relatos de testemunhas oculares de Latika Bansal — agora com 21 anos — e sua irmã mais nova, um tribunal enviou o pai delas, Manoj Bansal, para a prisão perpétua.

As meninas disseram ao tribunal que o pai costumava bater na mãe por “não dar à luz um filho”.

Bansal negou as acusações e disse que sua esposa se suicidou.

Na decisão tomada no fim de julho, o tribunal da cidade de Bulandshahr, no estado de Uttar Pradesh, no norte do país, concordou que Bansal era culpado de matar sua esposa por “não dar à luz um filho”.

A preferência da Índia por meninos está enraizada em uma crença cultural amplamente difundida de que um filho do sexo masculino levaria adiante o legado da família e cuidaria dos pais na velhice, enquanto as filhas lhes custariam dotes e os deixariam ao ir para os lares de seus maridos.

Ativistas atribuem a esta crença práticas como a negligência e maus tratos de meninas, além da proporção sexual dramaticamente distorcida da Índia — causada pela eliminação de dezenas de milhões de fetos femininos por meio de abortos seletivos de sexo, conhecidos como feticídio feminino.

Durante o julgamento, as irmãs Bansal contaram no tribunal como cresceram vendo seu pai e a família dele muitas vezes insultarem e agredirem sua mãe, Anu Bansal, por dar à luz apenas filhas.

O tribunal também ouviu que Anu foi forçada a se submeter a seis abortos depois que testes ilegais de identificação de sexo mostraram que ela estava grávida de menina.

Anu Bansal foi morta pelo marido porque ele não conseguiu lhe dar um filho, segundo denúncia das filhas — Foto: SANJAY SHARMA/ BBC
Anu Bansal foi morta pelo marido porque ele não conseguiu lhe dar um filho, segundo denúncia das filhas — Foto: SANJAY SHARMA/ BBC

A irmã disse que sua vida mudou na manhã de 14 de junho de 2016, quando seu pai — supostamente apoiado por familiares que negam as acusações contra eles — encharcou sua mãe com querosene e colocou fogo.

“Às 6h30, fomos acordadas pelos gritos de nossa mãe. Não pudemos ajudá-la porque a porta do nosso quarto estava trancada do lado de fora. Nós a vimos queimar”, disseram as meninas em seu depoimento no julgamento.

Latika disse que depois que suas ligações para a polícia local e os serviços de ambulância foram ignoradas, elas ligaram para o tio materno e a avó, que chegaram rapidamente e levaram a mãe ao hospital.

De acordo com os médicos que a trataram, Anu Bansal teve 80% de seu corpo queimado. Ela morreu alguns dias depois no hospital.

Na Índia, a violência contra a mulher é um problema grave que causa mobilizações constantes, como foi registrado em setembro de 2021 na capital do país. — Foto: Getty Images/ BBC
Na Índia, a violência contra a mulher é um problema grave que causa mobilizações constantes, como foi registrado em setembro de 2021 na capital do país. — Foto: Getty Images/ BBC

O caso veio à tona somente depois que as meninas — na época com 15 e 11 anos — escreveram uma carta com seu próprio sangue ao então ministro Akhilesh Yadav, acusando a polícia local de mudar a classificação do caso de assassinato para suicídio.

O investigador da polícia local foi então suspenso por não fazer uma investigação adequada e Yadav ordenou que a polícia e funcionários da administração supervisionassem o caso.

“Levamos seis anos, um mês e 13 dias para finalmente conseguir justiça”, disse Sanjay Sharma, advogado que representou as irmãs no tribunal, à BBC.

“Este é um caso raro de filhas que abrem um processo contra o próprio pai e finalmente obtêm justiça”, disse ele, acrescentando que, nos últimos seis anos, as meninas compareceram ao tribunal “mais de 100 vezes” e “nunca perderam um único encontro”.

Sharma acrescentou que não cobrou nenhum dinheiro da família porque eles eram financeiramente vulneráveis e também porque ele queria chamar a atenção para uma questão social.

“Isso não é apenas o assassinato de uma mulher. É um crime contra a sociedade”, ele disse. “Não está nas mãos de uma mulher decidir o sexo de uma criança, então por que ela deveria ser torturada e punida? Isso é mau.”

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