Brasileiros vivem clima de medo na Irlanda após ataques contra estrangeiros

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Brasileiros que trabalham para aplicativos de entrega são vítimas de violência na Irlanda - Mauricio Cancilieri/DW

Imigrantes brasileiros relatam que vivem em clima de insegurança na Irlanda, após uma sequência de ataques violentos contra estrangeiros no país.

Em 31 de outubro, o entregador Alexandre Pinheiro foi atropelado propositalmente e teve a perna quebrada.

Em março, Roberto Gomes da Silva foi agredido por um homem com um taco de madeira ao se identificar como brasileiro.

Mateus Gonzales Serafim foi espancado por três homens em abril. Os agressores filmaram o ataque e postaram o vídeo no TikTok.

Outra vítima foi o entregador de aplicativo Alan José de Lima, que teve a perna quebra durante um assalto em 12 de outubro. Durante o turno de trabalho no bairro de Finglas, em Dublin, ele foi abordado por dois homens que o agrediram com uma lixeira e levaram sua bicicleta. O ataque foi na madrugada, e a vítima foi socorrida ao Conolly Hospital, onde passou por duas cirurgias.

“Sinto uma sensação de impotência, fraqueza, de não poder me defender dessa covardia. É lamentável. A gente sai do nosso país para tentar uma vida melhor fugindo da violência, da covardia que a gente passa no nosso país”, afirma. Alan, que também é maratonista amador, tem dificuldade para andar desde o ataque.

Alan de Lima é um dos 58,5 mil brasileiros que vivem na Irlanda, segundo o Ministério das Relações Exteriores. Os estrangeiros contribuíram para a alta de habitantes do país, que atingiu o montante recorde de 5 milhões de pessoas em 2022, de acordo com o Censo irlandês. Desse, 12% são imigrantes, e 4% desse grupo é de brasileiros, a quinta nacionalidade em número de estrangeiros.

Cerca de 78,3% desses brasileiros desembarcaram na Irlanda entre 2016 e 2023. Um levantamento da consultoria Unsleash, encomendado pela embaixada brasileira, apontou que 65,1% dos brasileiros emigraram para melhorar o inglês. Outros 55,7% responderam que também buscavam melhores condições de vida na Irlanda. Contudo, se depararam com situações de discriminação por não serem fluentes no idioma (52,5%) ou devido à sua condição de imigrante (46,8%).

Um homem está caminhando em uma calçada com muletas. Ele usa um roupão preto e um boné. Sua perna direita está imobilizada com uma órtese, e ele está usando um chinelo. Ao fundo, há casas e árvores sem folhas, indicando um clima de outono. Uma pessoa está caminhando na calçada oposta.
O entregador de aplicativo Alan José de Lima, que teve a perna quebra durante um assalto em 12 de outubro – Mauricio Cancilieri/DW

Xenofobia

Conflitos internacionais impulsionam o fluxo de imigrantes para a Irlanda. Esse contingente populacional aumenta as pressões por moradia no país, que passa por uma crise na área de habitação.

Segundo o Banco Central irlandês, o Índice de Preços dos Imóveis subiu de 3,5% em 2014 para 4,1% em 2024, o que elevou o preço das casas e dos aluguéis. Dados da consultoria Savills Ireland revelam que entre 2015 e 2023, para cada novo imóvel entregue na Irlanda, 3,8 pessoas eram adicionadas à população.

E foi justamente o aumento da população —que inclui a contribuição dos estrangeiros— que levou à queda na avaliação positiva que os irlandeses tinham sobre imigrantes e refugiados.

Uma pesquisa do Instituto de Investigação Econômica e Social da Irlanda aponta que 73% dos irlandeses apoiavam a ida de imigrantes de fora da União Europeia (UE) em 2023. Apesar de elevada, a taxa é 10 pontos percentuais inferior à aferida em 2020, diante das preocupações com o mercado imobiliário e as comparações entre passado e futuro.

A pesquisadora de ciências sociais da Universidade de Galway Pilar Luz Rodrigues reforça que esses fatores fomentam o sentimento de repulsa aos imigrantes ao serem utilizados por grupos radicais.

“O racismo na Irlanda sempre existiu, mas não dessa forma com violência física. Nos últimos anos tem realmente se intensificado um sentimento anti-imigração no país que não existia antes, e que está presente no discurso da extrema direita. Isso é novo e foi muito presente nas eleições, para restringir direitos dos imigrantes”, diz.

Desde o ano passado, manifestantes que se opõem à entrada de imigrantes e refugiados no país vêm convocando protestos nas ruas de Dublin, com vários deles terminando em confrontos. Os atos foram deflagrados em novembro de 2023, depois que uma mulher e três crianças foram esfaqueados na porta de uma pré-escola na capital. O principal suspeito do ataque é um homem de origem argelina que adquiriu cidadania irlandesa uma década atrás.

A imagem mostra uma cena noturna de uma manifestação em uma rua. Há pessoas caminhando e algumas estão em destaque, com uma delas segurando um sinalizador que emite luz. O chão está molhado, refletindo as luzes da cidade. Edifícios estão visíveis ao fundo, com algumas lojas e sinais de trânsito. A atmosfera parece tensa, com a presença de fumaça e luzes brilhantes.
Dublin foi palco de manifestações xenófobas após ataque em 2023 – Clodagh Kilcoyne – 23.nov.23/Reuters

Violência urbana

Os brasileiros afirmam que além do avanço da ultradireita, o aumento da violência urbana colabora para o clima de medo no país. “Em termos de segurança eu me cuido mais. Eu não volto do pub às 3h a pé. Eu gasto um táxi independente de onde eu estiver. Eu e todo mundo. A gente está mais cauteloso”, conta a empresária Rosely Silva, que mora há 17 anos na Irlanda.

Um dos temores de Rosely e de outros brasileiros é ter de lidar com as gangues de jovens irlandeses que se concentram em bairros de Dublin, como a Finglas, e atacam grupos que consideram vulneráveis, como migrantes, mulheres e turistas.

“A partir do momento que começou a escurecer, a gente tem que tomar cuidado para onde a gente vai”, diz o entregador Edmar Salazar. Ele também evita passar pelo Finglas, onde testemunhou grupos de jovens caminhando com barras de ferro nas mãos.

A imagem mostra um entregador da Just Eat, vestido com uma jaqueta laranja, abaixado ao lado de sua bicicleta, organizando uma bolsa de entrega. O cenário é uma rua estreita com prédios de tijolos e uma vitrine refletindo a cena. O entregador está focado em sua tarefa, enquanto a luz do sol ilumina a área.
O brasileiro Edmar Salazar trabalha como entregador na Irlanda – Mauricio Cancilieri/DW

A comunidade brasileira no país apelidou esses adolescentes de nanas, termo que equivale ao nem-nem, em português, usado para se referir a pessoas que não trabalham ou estudam.

“O que acontece na Irlanda é que a lei protege esses jovens, eles sabem que esses ataques não vão ter consequência para eles. É diferente da situação no Brasil, porque não têm sempre o intuito de roubar, mas de fazer um ataque físico, até mesmo por diversão”, diz a professora Pilar Rodrigues.

Depois de ser atacado pelas costas com barras de ferro por jovens enquanto percorria o Distrito 11 em 2019, o entregador de comida Giancarlo Costa mudou sua rotina, e não trabalha mais à noite. Para isso, começa o turno na bicicleta às 5h e evita os locais considerados perigosos.

“Foi uma coisa que eu nunca passei na minha vida. Só pensava: não vou morrer assim, não faz sentido, vir do Brasil até aqui para morrer dessa forma.”

Para o professor de sociologia da Trinity College Dublin, Daniel Faas, há um aumento do comportamento antissocial no país. “É preciso que mais policiais façam patrulhamento regular. Eles também precisam ter mais poder, não apenas estar em quantidade. Para garantir às pessoas que a cidade, em particular, fique segura.”

A imagem mostra uma praça com uma estátua de uma figura religiosa em destaque, posicionada sobre um pedestal. Ao fundo, há uma rua com vários edifícios comerciais, incluindo lojas e restaurantes, com carros estacionados na calçada. O céu está nublado, e o piso da praça é de pedras, refletindo a umidade. Plantas em vasos decoram a área.
A cidade de Gort, na Irlanda, é conhecida como ‘Little Brazil’ – Philip Verminnen/DW

Resposta à violência

Os entregadores são alvo preferencial desses ataques violentos por estarem mais expostos ao circular nas ruas da cidade. A polícia irlandesa, Garda Síochána, informou por meio de nota que se reuniu com a Deliveroo, plataforma de entrega de comida, em abril, e forneceu aos entregadores adesivos para facilitar a identificação de bicicletas roubadas. Sobre os brasileiros agredidos, em apenas um dos casos um suspeito foi preso e responde a um processo judicial.

A embaixada brasileira na Irlanda, por sua vez, disse que se reuniu três vezes neste ano com a Garda Síochána para pedir reforço na segurança e o encaminhamento dos processos na Justiça. Segundo a embaixada, em 2024, dez brasileiros agredidos no país procuraram atendimento consular, “boa parte dos quais trabalhadores de serviços de delivery”.

A assistência consular prestada em situações do tipo abrange a oferta de assistência psicológica, orientação jurídica, interlocução com as autoridades policiais irlandesas, e encaminhamento para programa de retorno voluntário.

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