Orfanato ucraniano tentou esconder crianças dos russos quando a guerra começou

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Um estranho silêncio envolve tudo no orfanato em Kherson. Foto: CNN

Por David McKenzie, Ghazi Balkiz e Maria Avdeeva, da CNN

Um estrondo de fogo de artilharia sacudiu o chão quando Olena abriu o portão do Lar Infantil Kherson. Ela mal se incomodou.

As tropas russas estão posicionadas do outro lado do rio Dnipro e Kherson, uma cidade no sul da Ucrânia, está sob ataque regular.

Como muitos ucranianos durante esta guerra, Olena prefere não compartilhar seu sobrenome. Ela trabalha no orfanato há mais de 17 anos.

Olena disse que amava todas as crianças do lar infantil, mas era mais próxima de Arkasha. “Claro, todo mundo tem seu favorito, mas ele era o meu”, disse ela.

O armário de Arkasha, de cinco anos, é laranja – com um adesivo de um galo nele. Seu nome está cuidadosamente impresso em caracteres cirílicos.

Dentro das salas, há pinturas de coelhinhos segurando balões, flutuando no céu; áreas de lazer para crianças; armários cheios de brinquedos. Nos quartos, berços limpos e beliches minúsculos com colchões de cores vivas.

Mas as 48 crianças que viviam aqui se foram – apreendidas por oficiais russos durante os meses de ocupação da cidade.

“Sinto um vazio, só vazio. Tudo parou”, disse Olena. “As crianças eram felizes. Elas tinham tudo!”.

Escondidas em um porão

Quando a guerra começou em fevereiro do ano passado, a equipe do orfanato elaborou um plano. Eles levaram todas as crianças, a maioria com menos de 5 anos, para a igreja Holhofa, do outro lado da cidade, contou Olena.

A igreja e os cuidadores da casa mantinham as crianças seguras e aquecidas no porão. Eles os esconderam para mantê-las a salvo dos combates e para escapar dos russos, disse Olena.

Os órfãos foram trazidos para esta igreja e escondidos no porão para evitar que funcionários e colaboradores russos os encontrassem / Ghazi Balkiz/CNN

Kherson foi tomada pelas forças russas nos primeiros dias da guerra. As tropas invasoras moveram-se rapidamente sobre o rio Dnipro; foi a primeira grande cidade a ser tomada e a única capital regional.

“Sim, as crianças estavam aqui”, disse Victor, o zelador de 74 anos da igreja, à reportagem. “Mas depois que os russos ocuparam esta cidade, eles começaram a fazer perguntas”.

Depois de algumas semanas, disse ele, agentes do serviço de segurança da Rússia, o FSB, foram à igreja e exigiram que os cuidadores transportassem as crianças de volta ao orfanato. Os cuidadores sentiram que não tinham escolha. E foi então que Olena percebeu que os russos queriam levar as crianças embora.

“Eles ficavam dizendo: ‘estas são nossas crianças’”, disse ela sobre os agentes do FSB.

Em outubro, autoridades russas informaram ao orfanato que viriam buscar as crianças.

“Eles nos avisaram para recolher as roupas delas. Os russos ligaram à noite e disseram que devíamos preparar as crianças para a manhã seguinte. Os ônibus chegaram às oito”, disse ela.

Há pouco mais de uma semana, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, e para Maria Lvova-Belova, comissária russa para os direitos da criança, afirmando que eles eram criminalmente responsáveis pela “deportação ilegal e transferência de crianças ucranianas de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa”. O Kremlin condenou a decisão do tribunal.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse recentemente que pelo menos 15 mil crianças foram retiradas da Ucrânia. Grupos de direitos humanos dizem que muitas delas foram coagidas a deixar seus pais e levadas para os chamados acampamentos de verão.

Os berços estão vazios no orfanato em Kherson / Ghazi Balkiz/CNN

Na Kherson ocupada, os russos não esconderam suas ações ao tirar as crianças do Lar Infantil Kherson.

Na verdade, eles anunciaram amplamente o movimento e usaram isso para fins de propaganda. Eventualmente, o incidente poderia ser usado como prova em um julgamento de crimes de guerra.

Compartilhadas no Telegram, as imagens daquela manhã de outubro mostram crianças confusas sendo levadas para ônibus – longe de suas amadas cuidadoras.

Olena disse que as enfermeiras escreviam os nomes das crianças em suas jaquetas ou em suas mãos – para que pelo menos fossem chamadas por seus nomes verdadeiros onde quer que fossem. Os organizadores disseram que as estavam levando para a Crimeia ocupada. Não está claro exatamente onde elas foram parar.

Investigadores ucranianos disseram que órfãos retirados de territórios ocupados também acabaram na Rússia, onde receberam cidadania e foram entregues a casais russos.

“Eles não merecem nossas crianças. Eles deveriam trazê-las de volta. Eles não as merecem”, disse Olena.

Registros médicos falsificados

Os russos não pararam com os orfanatos, eles vasculharam Kherson para levar crianças. Colaboradores e autoridades russas foram repetidamente ao Hospital Infantil Regional de Kherson pedindo uma lista de bebês órfãos e crianças que deveriam ser levados, disse o Dr. Olha Piliarska, um anestesista pediátrico.

De acordo com Piliarska, a equipe do hospital escondeu alguns órfãos no porão da UTI e falsificou os registros médicos de outras crianças, indicando condições como convulsões e líquido nos pulmões.

Tetiana Pavelko sentada à mesa da cozinha com Kira no colo / Ghazi Balkiz/CNN

Ela mostrou à reportagem um ventilador como aquele em que colocam um bebê saudável, disse ela, e acendeu algumas luzes para dar a impressão de que não poderia ser movido com segurança. Todos estavam com medo de serem descobertos, ela lembrou. Piliarksa e os administradores do hospital dizem que conseguiram salvar 15 crianças – três foram levadas por autoridades russas.

“Nós entendemos que eles não nos perdoariam por isso. Sabíamos que haveria uma retribuição séria”, disse ela.

Uma enfermeira do hospital fez tais esforços para frustrar as ações dos russos um passo adiante.

Tetiana Pavelko continuou voltando para ver uma recém-nascida chamada Kira, que conquistou seu coração. “Desde o começo, eu realmente a amava. Ela era uma criança tão linda”, disse ela à reportagem.

Pavelko implorou aos médicos e administradores do hospital que mantivessem Kira fora da lista de crianças que os colaboradores verificavam regularmente.

“Todos os dias, a lista era atualizada. E eles faziam essa lista duas vezes por dia. Eu me certifiquei de que Kira nunca estivesse nessa lista”, lembrou ela.

Tetiana Pavelko, segurando Kira, abre a porta enquanto o som de projéteis de artilharia ecoa ao redor / Ghazi Balkiz/CNN

Quando os soldados ucranianos retomaram Kherson dos russos em novembro, Pavelko teve permissão para levar Kira para casa. Ela iniciou o processo de adoção, disse ela.

Ela, seu parceiro e Kira moram em uma casa térrea no distrito de Korabelny, no extremo sul de Kherson. O bairro enfrenta bombardeios regulares dos russos do outro lado do rio.

Mas Pavelko diz que esta terrível guerra lhe trouxe um presente.

“Kira significa tudo para mim. Provavelmente ela é o significado da minha vida em primeiro lugar. Eu nem sei, para ser sincera, não consigo imaginar minha vida sem Kira”, disse ela.

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