Salário médio de jogadores de futebol não alcança nem as 100 maiores remunerações de contratação

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Foto: Getty Images

Por André Catto

André Dias, de 32 anos, tem uma realidade muito distante da vivida pelos seus mais renomados colegas de profissão – mas bem conhecida de muitos brasileiros.

Assim como muitos trabalhadores, o goleiro precisa de um segundo emprego para conseguir pagar as contas. Nada parecido à rotina de salários milionários, fama e viagens internacionais de Neymar e companhia.

André Dias, goleiro e ídolo da torcida do Juventus, trabalha também como educador físico. — Foto: Pablo Vaz/g1
André Dias, goleiro e ídolo da torcida do Juventus, trabalha também como educador físico. — Foto: Pablo Vaz/g1

Ainda assim, Dias é, de certa forma, um privilegiado. Grande parte dos atletas ganha menos do que ele – e também complementam a renda com outras atividades, em especial as informais, como motoristas de aplicativo. Há ainda relatos de jogadores que trabalham como mecânicos, por exemplo.

Média salarial

No mercado formal, o Ministério do Trabalho e Previdência estima, atualmente, cerca de 11 mil atletas profissionais com carteira de trabalho assinada, com média salarial de R$ 8,4 mil.

Mas, como alguns poucos salários muito elevados puxam a média para cima, a realidade da grande maioria é de rendimentos bastante achatados: segundo os dados mais recentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), divulgados em 2016, mais de 80% dos atletas assalariados recebiam até R$ 1 mil. Apenas 0,12% recebiam entre R$ 200.000,01 e R$ 500 mil mensais.

“As discrepâncias e injustiças existem não só no esporte, mas em toda a sociedade. Então, se você fizer uma comparação entre o universo do futebol e passar para qualquer outra área produtiva, você vai ver isso expresso”, afirma o professor João Paulo Medina, fundador da Universidade do Futebol.

Cargos e salários

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) dão uma noção de como a remuneração dos jogadores está inserida no mercado de trabalho brasileiro.

Na lista dos maiores salários médios de contratação com carteira assinada no país em 2021, os atletas profissionais de futebol, com média salarial de R$ 8,4 mil, não figurariam nem entre as 100 ocupações com a melhor remuneração de contratação do país.

A lista é encabeçada por:

  1. Diretor de Crédito (Exceto Crédito Imobiliário): R$ 37.134,38
  2. Diretor de Riscos de Mercado: R$ 34.718,47
  3. Diretor de Produtos Bancários: R$ 34.385,11
  4. Dramaturgo de Dança: R$ 30.219,01
  5. Diretor de Serviços de Informática: R$ 28.050,65
  6. Diretor de Recuperação de Créditos em Operações de Intermediação Financeira: R$ 26.117,49
  7. Diretor de Recursos Humanos: R$ 25.790,85
  8. Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): R$ 24.399,44
  9. Diretor Comercial: R$ 21.600,47
  10. Diretor de Produção e Operações da Indústria de Transformação, Extração Mineral e Utilidades: R$ 21.188,14

Na 100ª posição, aparece gerente de comunicação, com salário inicial de contratação de R$ 9.268,13 – ainda quase R$ 1 mil acima da média de remuneração paga aos atletas profissionais do futebol.

Ídolo e educador físico

O goleiro André Dias não é qualquer um dentro do esporte: ídolo do Juventus, tradicional clube da capital paulista, é o jogador que mais atuou neste século pelo time, que disputa atualmente a segunda divisão do campeonato estadual.

Mesmo assim, nas horas vagas, trabalha como personal trainer para complementar renda. É assim que ele, casado e com duas filhas, consegue melhorar o orçamento da família e continuar no esporte.

“A gente vive o futebol real, né? Na verdade, a segunda prateleira do futebol. O pessoal pensa muito em grandes salários, calendários cheios, mas não funciona bem assim”, comenta.

Realidade do mercado

Apesar da escassez na divulgação de dados, levantamentos ajudam a mensurar as dificuldades enfrentadas pela grande maioria dos atletas profissionais do país.

Informações da Universidade do Futebol com base em dados da CBF indicam que mais da metade (55%) dos jogadores profissionais no Brasil recebiam, em 2021, aproximadamente um salário mínimo. Naquele ano, o valor do mínimo era de R$ 1,1 mil.

Considerando um universo estimado em 90 mil jogadores profissionais – incluindo atletas das categorias de base com contrato profissional –, cerca de 49,5 mil recebiam este valor, de acordo com o mapeamento da instituição acadêmica. E os números vão além: do total de atletas, 33%, o que representa quase 30 mil pessoas, recebiam entre R$ 1.001 mil e R$ 5 mil.

“Não há ainda, no Brasil, políticas consistentes para que a gente possa ter como meta superar essa situação ao longo dos próximos 10 ou 20 anos – o que seria necessário para mudar essas estruturas”, diz Medina. “Muitos não têm consciência de que é justamente essa base que sustenta a elite do futebol.”

Calendário curto

Além de receber salários menores, grande parte dos atletas vive com a insegurança de não ter trabalho durante todo o ano, já que o calendário é muito mais enxuto. E nos meses em que não há competições, não há emprego – e nem salário.

“Nos meses sem contrato, a renda da minha família vem da atividade como personal trainer e do trabalho da minha esposa”, conta André Dias. “O futebol representa um terço da nossa renda familiar.”

O coordenador de futebol do Juventus, Marcel Barbosa, explica que, por questões financeiras, o clube mantém contratos mais longos – de um ou dois anos – apenas com os atletas promovidos das categorias de base. No caso dos jogadores mais experientes, os contratos são feitos por competição.

Segundo ele, a grande dificuldade dos clubes para oferecer salários melhores são os patrocínios. “Nós estávamos fazendo um planejamento para o ano que vem, mas acabamos perdendo um patrocinador importante”, diz, ressaltando a necessidade desses recursos.

Escolaridade

Muitos jogadores deixam de investir nos estudos para se dedicar ao futebol. Um dos problemas é o impacto disso no futuro, com atletas encerrando uma carreira curta, pouco rentável e sem uma boa formação para seguir a vida em outra área, alerta o professor Medina.

“Se você se desenvolve bem, explora todo o seu potencial intelectual e cultural, você vai ter um plano de carreira melhor estruturado. Com isso, vai otimizar seus investimentos na vida, sejam eles quais forem. Quando sua carreira se encerrar, poderá fazer uma transição e, quem sabe, continuar no futebol, que hoje engloba mais de 200 profissões”, diz o professor Medina.

Formado pelas categorias de base do Corinthians, o goleiro André Dias concluiu o curso de Educação Física ao longo dos 13 anos em que permaneceu no clube, antes de ir para o Juventus.

“Tive o privilégio de conseguir conciliar o futebol e os estudos. Foi o meu modo de sobrevivência dentro do futebol. Muitos atletas acabavam parando ao longo do processo por causa dessas lacunas. Eles precisavam sustentar suas casas”, diz.

Hoje, ele orienta os atletas mais jovens. “Eu me preocupo em passar a importância do desenvolvimento intelectual junto ao esporte, a importância de uma vida acadêmica. Porque, para mim, foi muito importante não só para o sustento da minha casa, quando não tive o respaldo do futebol, mas também para a minha vida social”, conta.

Na segunda profissão, André Dias já treinou equipes universitárias, foi instrutor de academia – simultaneamente à vida de atleta profissional – e, hoje, trabalha como personal trainer.

“Foi a maneira que encontrei de sobreviver, ter uma renda fixa e dar estabilidade para a minha família, além de poder seguir no futebol, que é muito complicado”, continua.

André Dias, goleiro e ídolo do Juventus, com as filhas Clara e Luísa. — Foto: Ale Vianna/Juventus
André Dias, goleiro e ídolo do Juventus, com as filhas Clara e Luísa. — Foto: Ale Vianna/Juventus

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