Oposição recorre, e projeto do governo que amplia cotas em concursos públicos terá de passar por nova votação no Senado

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Plenário do Senado, em Brasília. Foto: Reuters

Senadores de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alcançaram o mínimo de assinaturas necessárias para levar ao plenário principal do Senado o projeto que amplia as cotas em concursos públicos do governo federal.

O texto havia sido aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e seria encaminhado diretamente para a análise da Câmara dos Deputados.

Contrária ao projeto aprovado na CCJ, a oposição apresentou um recurso para forçar mais uma etapa de discussão no Senado.

A medida representa um alerta para o Planalto, que acompanhava de perto a análise do texto pelos senadores, em uma tentativa de aumentar a segurança jurídica de editais já abertos e que estão programados.

Isso porque a lei atual de cotas para negros em concursos deixam de valer em 10 de junho deste ano — exatos dez anos após a entrada em vigor das regras.

Parlamentares da base de apoio a Lula no Senado têm avaliado que, caso não haja nova lei mantendo as cotas, há risco de os editais serem questionados judicialmente.

A principal preocupação gira em torno do Concurso Público Nacional Unificado (CNU), o chamado “Enem dos concursos”.

O exame, que deveria ter ocorrido em maio e foi adiado em razão das fortes chuvas no Rio Grande do Sul, ainda não tem data para ser aplicado. Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, quase 421 mil candidatos — dos mais de 2,1 milhões de inscritos — vão concorrer por cotas raciais.

A tentativa de trazer segurança jurídica aos editais levou o governo a articular ao longo de meses. Também fez ceder e acolher mudanças em diversos pontos durante a análise do texto pela Comissão de Direitos Humanos do Senado e pela CCJ, a fim de ampliar o apoio à proposta.

O objetivo era aprovar — no Senado e na Câmara — e sancionar o projeto antes do dia 10 de junho. Com o revés capitaneado pela oposição, o calendário começa a ficar pressionado.

“É um problema [não aprovar esse projeto]. Teremos que resolver com muito diálogo com os líderes na Casa. No dia 9 de junho, termina a vigência da lei”, disse o autor do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS).

A política de cotas é uma das defesas do governo Lula. Na campanha eleitoral de 2022, o então candidato defendeu a política, afirmando que se tratava do pagamento da “dívida” que o Brasil tem com a população negra em razão do período de escravidão.

“Eu queria que você compreendesse que a Lei de Cotas é o pagamento de uma dívida que o Brasil tem [de cerca] de 350 anos de escravidão. A Lei de Cotas permite que a gente recupere a possibilidade de enfrentar o racismo, o preconceito e a marginalização, de dar ao povo periférico a oportunidade de estudar”, declarou Lula na ocasião.

Perfil dos candidatos do Concurso Nacional Unificado — Foto: g1

Calendário curto

A agora obrigatória passagem da proposta pelo plenário principal do Senado deverá encurtar o calendário de aprovação do texto.

Sem empecilhos jurídicos e regimentais, o recurso assinado por 16 senadores deverá ser admitido pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com isso, em tese, haverá abertura de um novo prazo para apresentação de emendas (sugestões de mudança) ao texto.

Serão cinco dias úteis, que devem, segundo técnicos do Senado, ser contados a partir desta quarta-feira (22). Terminado o prazo, caso não haja novas emendas, Pacheco poderá colocar o texto em votação no plenário — o que poderia ocorrer no dia 29.

Há preocupação entre membros do governo, no entanto, de que a análise atrase ainda mais em razão do feriado de Corpus Christi, marcado para o dia 30, que deve esvaziar o Congresso.

Com o rito tradicional, sem novas emendas e com votação no dia 29, o Planalto teria somente seis dias úteis para aprovar a proposta na Câmara e sancionar o texto.

O senador Paulo Paim disse acreditar ser possível uma flexibilização dos prazos, por decisão de Rodrigo Pacheco.

“Acredito que a questão pode ser resolvida votando a matéria no Senado esta semana, de preferência, e, na semana que vem, na Câmara dos Deputados. O apoio dos dois presidentes — do Senado e da Câmara — é fundamental”, afirmou.

Procurado, o Ministério da Igualdade Racial disse que parlamentares governistas trabalham para aprovar um pedido de urgência para que a votação no plenário do Senado ocorra ainda nesta semana.

“Os ministérios envolvidos com a renovação e aprimoramento da lei estão trabalhando incessantemente para garantir que os compromissos do estado brasileiro com a inclusão étnico-racial sejam mantidos”, disse a pasta em nota.

O projeto

A proposta que amplia as cotas em concursos públicos foi aprovada definitivamente pela CCJ do Senado no último dia 8.

O texto eleva, de 20% para 30%, a reserva de vagas para pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas. O projeto também estende as cotas por, no mínimo, mais 10 anos.

Pela proposta, as cotas serão aplicadas em concursos públicos do governo federal e em processos seletivos simplificados da administração federal destinados a preencher, por exemplo, vagas temporárias.

Durante a discussão do texto na CCJ, o governo cedeu em alguns pontos. Em um deles, o relator, senador Humberto Costa (PT-PE), retirou todas as menções ao termo “negro” no projeto. No lugar, passaram a constar os termos “preto ou pardo”.

Em outro, Costa estabeleceu que as cotas devem ser revisadas a cada dez anos. No primeiro parecer, o senador havia indicado que a reserva seria válida por mais 25 anos.

As duas mudanças atenderam a membros da oposição, que, mesmo assim, mantiveram críticas ao texto.

No último dia 8, por exemplo, a oposição conseguiu empatar — em 12 votos a 12 — a votação de uma sugestão de mudança que reduziria o percentual das cotas de 30% para 20%.

Coube ao presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), desempatar a disputa. Ele escolheu seguir a orientação do governo Lula e votou a favor da ampliação das cotas.

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